sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Justiça Tardia Não é Justiça

Sempre tive um refúgio para me esconder do mundo, fugir da realidade e conhecer outras histórias: sala de cinema. É um programa que podemos fazer sozinhos, mas é tão bom ter amigos quase tão cinéfilos quanto eu para poder comentar o filme depois. Tenho sorte por tê-los em todas as fases da vida. No início da adolescência e um bom tempo dela tive Renatinha (Renata Morales Banjai) e Beth Yumoto, no geral, meus amigos da natação adoravam ir ao cinema. Paola Miorim também era das minhas, entre tantos, vimos juntas O Exterminador do Futuro e a cada susto, apertava seu braço de um jeito, que deixei vermelho. Meu querido André Corrêa, que após mudar-se para São Paulo, passava os finais de semana em Santos e víamos vários filmes em dois dias. Com o Leo ia ao cinema duas vezes por semana, sempre à noite, porque eu estudava de manhã e treinava à tarde. Mas a fase mais viciante em cinema foi com Carla Stoicov e Fábio Diegues. Além dos cinemas comuns, dos filmes em casa, batíamos ponto toda semana no Cine Posto 4, em Santos. É o cinema mais singular que conheço. Fica na areia da praia, tem 30 lugares e só passa filme muito bom, daqueles que você nunca vai ver nos Cinemarks. Não que eu não frequente Cinemark, adoro filmes de ação e ficção também, aliás, cinéfilo gosta de todos os tipos de filmes que sejam bons. E relembrei tudo isso porque ontem fui ao Posto 4 com minha amiga querida, Marcia Abad. Ela queria me alegrar e sabe o quanto gosto de filmes, não lembrava o título, mas sabia que era um filme espanhol muito bom, sobre a época da ditadura do general Franco. Fugimos do calor e nos enfiamos na pequena sala escura. A Voz Adormecida começa tenso, sabemos que é trágico. Uma das protagonistas me parece tão familiar, na terceira cena vejo que a familiaridade é com minha amiga Ana Paula Assumpção, que nunca esqueço. Os olhos, o olhar... essa protagonista tem uma irmã presa política, grávida. O filme me fez quase chorar em quase todas as cenas e escorrer lágrimas em específicas, muito mais pelas semelhanças entre tantas histórias que vivi e vejo acontecer. Há injustiça o tempo todo. A presa está a espera do fuzilamento é ateia e comunista. Tentam obrigá-la a beijar os pés de uma estátua de Jesus, o padre cruel afirma que ela não terá salvação após a morte, as freiras também são cruéis com quem não acredita em deus, tudo é tão cruel. Sua filha nasce na cadeia e depois ela é encaminhada para a cela das mães, lotada de crianças que crescem nas prisões. Me lembrou tanto os tempos do visitário público, em que eu ficava numa sala lotada de pais e filhos (eu era a única mãe aos sábados). A última vez em que amamenta a filha, por piedade de uma carcerária, me doeu tanto porque me fez lembrar a mãe que amamentava o filho no tal visitário público, um bebê, arrancado da mãe por um pai que, certamente, não o amava. Mas o que mais doeu foi o julgamento. Um juiz arrogante, que exige ser chamado de excelência. São excelentes em que? Conheço excelentes atletas, profissionais (nenhum deles é juiz ou promotor), mães, pais, filhos, alunos, pessoas, mas ninguém é chamado de excelência. O juiz manda todos para a pena de morte. Apesar de não haver mais ditadura, nem pena de morte no Brasil, os juízes continuam condenando várias pessoas à morte, todos os dias, com suas demoras que não são cobradas, com suas decisões que não são tomadas, com seu passar de olhos em cima de processos, sem aprofundamento. Me senti tão parecida com as irmãs Hortência e Pepa. Uma sofre tortura psicológica, a outra física. A Justiça arrancar um filho da mãe é a maior das torturas, física e psicológica. Dói tudo, tudo mesmo, é como uma falência múltipla dos órgãos. No fim, como já disse, nem culpo a outra parte, uma pessoa tão mentirosa que acaba acreditando na própria mentira, nem seus pais, que apoiam tanta insanidade. Como pais talvez queiram esconder o próprio fracasso. Nem os advogados sem ética que escrevem qualquer coisa que o cliente fala, sem prova alguma. Afinal é trabalho deles defender o cliente e recebem o quanto pedem por isso. Mas os juízes e promotores... ah, esses são repletos de culpa, estão lá para defender a Justiça, são pagos pelos impostos que nós pagamos, mas o que fazem? Deixam os processos empilhando e dizem não ter tempo, é o sistema. Que façam algo para mudar essa situação! Quando essa ação foi levada para Ribeirão Preto caiu justamente com o juiz Ricardo Braga Monte Serrat, um que meus colegas jornalistas de lá são loucos para denunciar, tantos são seus casos duvidosos. Esse juiz e um promotor leram um monte de absurdos sem provas que a advogada da outra parte colocou (que minha filha passava necessidades básicas, privações, fome, não tinha cama, que eu troquei seu nome, não tinha vida social, que eu morava de favor em casa de estranhos) e me proibiram de ver minha filha! Me chamaram de mãe nociva! Então coloquei lá todas as provas de que tudo aquilo era mentira. Mas minhas provas eles nunca leram. Estão lá há quase três anos esperando para serem lidas. A declaração emocionada da minha amiga Claudia Albuquerque, mãe da Raquel, está lá. Mas agora a Claudia não está mais aqui para ser testemunha na audiência. Está lá no processo, sem provas, que me droguei a gravidez inteira e por isso minha placenta descolou. Mas minha prima Keila, que ficou comigo nos últimos três meses de gestação e vivenciou tudo que se passava naquela casa, cozinhando para mim, tocando e cantando, não está mais aqui para testemunhar. Me senti como as senhoras presas do filme, que nunca participaram de rebelião nenhuma, que nem eram comunistas, algumas até acreditavam em deus, que tinham provas nunca vistas por juiz nenhum e que eram enviadas ao pelotão de fuzilamento. As provas delas não importavam. Queriam apenas calar a sua voz, como alguns juízes, que me mandaram parar de escrever nesse blog. Justiça tardia não é justiça. A sensação ao sair do cinema, em silêncio, ao lado da minha amiga, também tão tocada pelo filme, é que nada mudou. Só mudaram os generais e juízes, mas as atitudes são as mesmas.

2 comentários:

  1. Querida Dri... Suas reflexões não são sobre um caso pessoal, são sintomas de problemas sociais, de déficits de humanização... Sempre me impressiona como consegue conectar sua dor pessoal com questões universais e que fazem doer também pra quem não passa nem um milésimo do que vc tá passando... Saudades de vc, da Mimi, vamos nos falar mais?
    Em tempo: o filme é A Voz Adormecia (La Voz Dormida).

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  2. rsrs obrigada, Gab, vou corrigir já, não busquei nada no google pra falar sobre o filme e cometi essa falha, meu cérebro torturado já não é o mesmo... minha dor pessoal é igual de tantas mães que passam por isso, que passam por separações bruscas, de gente que sofre injustiça do judiciário... e vc, Gab, consegue sentir a dor porque é muito humana e querida, saudades enormes de vcs, amo vcs <3

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