sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Minha Mãe, Meu Pai e Sex Pistols

     Fui até a casa da minha mãe e já do portão, eu e Miranda, o som alto dos vizinhos, que insistem em ouvir funk e pagode no volume máximo, nos incomodou. Isso já virou rotina e numa das últimas vezes que estive lá, coloquei um CD do The Clash para tocar bem alto, até perceberem que estavam incomodando e baixar o volume. Daí fui direto pegar o mesmo CD para colocar e quando abro o som, eis que vejo Sex Pistols. “Mãe, você que colocou? Sim, procurei algo bem barulhento e lembrei dessa música gritada que você ouvia, mas é melhor que funk”.
   Confesso que fui invadida por uma satisfação indescritível! Além da sensação de missão cumprida em saber que minha mãe, de 78 anos, nascida na roça, preferia punk ao funk! Coloquei Sex Pistols no talo e cantei todas as músicas. Miranda até assustou porque nunca tinha me visto cantar estilo gutural. Chegou a chorar de medo da minha voz! Mas começamos a pular muito e no fim ela até riu. Mesmo após os vizinhos desligarem o som, fui até My Way, brilhantemente interpretada pelo lindo punk Sid Vicious. E com essa memória que não esquece quase nada, lembrei de como o punk entrou na minha vida. 
   Começou com The Clash, com minha inesquecível amiga Ana Paula Assumpção, que era fã absoluta e cantava todas as músicas. Mas Clash era muito politizado e melódico. Aquela coisa “faça você mesmo”, “aprenda sozinho”, chegou um pouco depois. Em 1988 morava em Ribeirão Preto e conheci Paula Soares (Paulinha), uma criatura doce e sensível, de voz rouca e suave, mas que amava Sex Pistols e se transformava quando ouvia a banda. Toda a agressividade e violência que poderia existir dentro dela era extravasada nos Pistols. 
   Fui assistir Sid&Nancy– O Amor Mata, no Cine Cauim, o que havia de mais cult naquela cidade provinciana. O filme me chocou. Apesar de ter lido Christiane F, 13 anos, drogada e prostituída, aos 12 anos, no fim ela se reabilitava e ficava tudo bem. Aos 18 anos tive a certeza de como as drogas pesadas podem destruir tantas vidas. Só ouvia o som melancólico dos anos 80 e o punk me trouxe muito mais energia. As festas em Ribeirão Preto e no apartamento onde moravam Paulinha, Lilian Pavan e Kátia Casimiro, tocavam muito Velvet Underground, Joy Division, Smiths, Cure e, claro, Sex Pistols ,no talo todos os dias. 
   Mas o que mais me impressionou no filme mesmo foi a interpretação do Gary Oldman, até hoje meu ator inglês favorito. Ele era o próprio Sid Vicious! Desde então passei a ver todos os filmes dele, mais de uma vez. Outro fato impressionante é a semelhança entre Oldman e meu amigo André Corrêa *, também ator. A singularidade de falar com os olhos, se expressar com as mãos e com o sorriso. Sou apaixonada por ambos, indeterminadamente. 
   Em 1992 aluguei o filme para ver em casa, meu pai quis ver comigo, mas adiantei que era só sexo, drogas e rock, mais rock e drogas do que sexo. Ficou mais interessado ainda para saber que tipo de sétima arte andava me fascinando. E vimos juntos o menino Sid e toda a juventude periférica de Londres introduzindo o punk no mundo, que estava ficando chato de tanto rock progressivo. Vimos a ascensão da banda, a paixão desmedida desse garoto ingênuo e virgem pela junkie americana Nancy, que fazia qualquer coisa por um pouco de heroína. Vimos Sid matar Nancy a facadas e, ao acordar, ficar perdido no meio do sangue, sem saber o que tinha acontecido. Após quatro meses na prisão, aos 21 anos, morrer por overdose. 
   No dia seguinte, meu pai acordou triste e foi para o trabalho triste. No almoço me disse que o filme não saía da sua cabeça. Mais do que tudo, ficou com muita pena por aquela garota ter sido assassinada pela pessoa que mais a amava, por não ter pais que olhassem por ela, e por Sid, que tinha talento, mas se entregou para as drogas. Acho que nem meu pai, aos 56 anos, tinha noção de como a droga pesada seduz, vicia e aniquila. Meu pai disse que a interpretação de My Way por Sid Vicious era mais sincera que a de Frank Sinatra. No que eu concordo plenamente. O amor mata e a música mata a dor. 
  E para finalizar esse texto meio nada a ver, digo para vocês procurarem o link do Gary como Sid, cantando ele mesmo My Way, incorporado por Sid, na cena apoteótica do filme, porque só consegui escrever em HTML** e saiu tudo sem parágrafo, coisa que detesto porque não dá para entender direito. No fim, é um texto bem punk mesmo. 

 *Quem estiver por São Paulo e quiser conferir, concordar ou discordar do que sinto, André Côrrea está em cartaz na peça Ricardo III, no teatro João Caetano, na rua Borges Lagoa.
 ** Consegui acertar agora, mas achei bacana deixar escrito isso porque ficou bem punk.

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