segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

À Espera de Um Induto


   Fiz muita transferência de presos e inaugurações de presídios quando trabalhei na assessoria do governador Mario Covas. Prisões e hospitais parece ser uma espécie de sina na minha vida, que agora entendo melhor, sabendo que tenho a tal casa 10 em câncer, mas isso é papo de astrologia e esse texto pretende falar de prisões e presidiários.
   Nos tempos de Palácio dos Bandeirantes, a equipe de jornalismo cobria todos os eventos, mas nos dividíamos em algumas áreas, para ganhar tempo e informação. Coube a mim Segurança Pública, Administração Penitenciária e Meio Ambiente (que pode parecer leve, mas era só bucha também). Eu já tinha alguma experiência como repórter policial na Folha da Tarde, conhecia jargões e o funcionamento do sistema, por isso foi algo espontâneo. A grande diferença é que antes eu ia atrás da notícia, no governo, passei a ser a fornecedora de notícias, além de administrar conflitos e acalmar repórteres sedentos por revelações bombásticas.
    Conforme aconteciam as inaugurações das penitenciárias no interior do Estado de São Paulo, começaram as transferências de presos da Capital, que cumpriam penas em delegacias lotadas, por falta de presídios. Numa delas, na DP do Paraíso/Capital, uma repórter vomitou ao entrar na cela vazia. Havia fezes e urina por todos os lados, o cheiro era mesmo de causar náuseas, mas eu já estava acostumada a prender a respiração antes de entrar. Prendia por mais de um minuto, outra dádiva que a natação me deu: muito fôlego. A repórter passou mal não só pelo que viu e cheirou, mas também por imaginar como 80 presos viviam numa cela para cinco pessoas.
  Na época muitos reacionários reclamaram pelo dinheiro gasto com penitenciárias tão novas, colchões novos e tudo tão limpinho para aquele monte de “bandido”. O que muita gente não sabe é que nem todos que vão presos são bandidos. Há tantos erros em julgamentos, há tanta gente que vai presa sem ser julgada e só após o julgamento é revelada sua inocência. Mas daí a pessoa já ficou tanto tempo presa, que deixa de ser inocente, aprende a odiar, não tem mais jeito.
   Acompanhei a última “leva” de presos do Carandiru. Ao olhar aqueles homens eu sentia medo de alguns, pena de outros. Em alguns eu via a materialização do mal. Em outros eu via sofrimento e dor. Depois de esvaziado, entramos no Carandiru e havia uma energia tão pesada que tive dor de cabeça por dois dias. Numa das minhas idas para o interior, quando fazia três matérias por dia, em três cidades diferentes, pensei que era uma inauguração de penitenciária, quando tem prefeitos, políticos e alta sociedade, então fui de saia, salto e meia calça. Mas era uma vistoria do funcionamento, eu era a única mulher entre jornalistas, administradores, carcereiros e fotógrafos. Já estava acostumada a ser a única mulher em muitas ocasiões, mas não numa prisão. Meu “modelito” estava inadequado, deveria ter ido de jeans, tênis e blusa, mas não havia como voltar e trocar no hotel. Minha pauta era sobre como estavam os condenados trabalhando na panificadora do presídio. Alguns evitavam me olhar, nenhum me desrespeitou. Em alguns minutos já falavam sobre como suas vidas melhoraram, podendo trabalhar, sonhando em sair dali já com um ofício. Que era mais fácil dormir, porque estavam cansados após o dia de trabalho. Nas delegacias dormiam sentados, às vezes, em pé. Teve preso reclamando, mas me pediu para não colocar na matéria, porque ficou longe da família. Nunca dá para agradar a todos.
   Quando chegava o Natal, nosso plantão era dobrado, porque havia o induto, muitos presos não voltavam e, invariavelmente, tinha rebelião na FEBEM, agora Fundação Casa. Ninguém era reabilitado naquelas condições. Claro que eu não gostava de ver aqueles meninos queimando colchões, mas entendia a revolta deles em ficar preso num lugar insalubre daqueles, para se reabilitarem. No Natal, os meninos ficavam mais revoltados. Queriam estar com a família, queriam uma comida decente.
   Penso que as prisões não melhoram ninguém, é uma punição severa, para aprender que não se deve roubar ou matar e, ao sair de lá, não repetir o erro. Mas em liberdade não conseguem emprego, tanto faz se mataram ou se roubaram uma cesta básica, estão marcados para sempre. Não importa o delito, importa que passou pela prisão e aprendeu a ser bandido. Daí, essa gente que passa droga na esquina, que sobe o morro para pegar a quantidade que o playboy pediu, vai presa, é espancada, fica lá uns anos até o julgamento. Mas essa mesma gente vê um flagrante do helicóptero de deputado, lotado de cocaína, dentro da fazendo do deputado, mas nada acontece, o deputado não sabe de nada. Dessa vez pode responder o processo em liberdade. Isso é ou não é para revoltar?
   Daí, o preso que está lá cumprindo pena há anos, lutando por uma condicional, por um regime semiaberto, vê um político que consegue em dias mudar o regime e na mesma semana um emprego como gerente de hotel, recebendo 20 mil reais mensais. Isso deve revoltar muito o preso comum. Daí a gente vê alguns políticos sendo condenados, enquanto outros estão ilesos e operantes. Isso me deixa bastante indignada. A Justiça funciona para alguns, não para outros.
   Dizem que todos merecem uma segunda chance. Eu não tive a minha. Serei sempre a mãe que perdeu a guarda da filha, marcada como uma presidiária. Logo teremos mais um induto de Natal. Será que terei meu induto? Será que o juiz será tocado pelo espírito natalino e vai pensar “poxa, a menina passou 2 anos longe da mãe, nunca mais viu os antigos amigos, perdeu o vínculo com a irmã, bem que podia passar o Natal com a mãe e a irmã”. Basta assinar um papel! Fico esperando meu induto de Natal. Mas nessa época vem junto o recesso judiciário, que deixa tudo parado. O que poderemos esperar deste País? O que mais eu posso esperar?

2 comentários:

  1. eu estou chorando... imaginando toda essa injustiça.... com todos...

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  2. Dri, é muito triste ouvir gente dizendo que preso não tem que ter induto, a maioria não sabe como essas pessoas vivem e que muitos estão lá injusta ou desnecessariamente, que a pena poderia ser com cesta básica, ir no fórum de 2 em 2 meses assinar um papel... me sinto pior que uma presidiária, pq nem induto para passar o Natal com minha filha eu tenho...

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