segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Ela Deixava Tudo Mais Lindo

   Nos conhecemos porque era mãe da Raquel, a melhor amiga de Dora. Um dia, depois da aula, aproximou-se de mim com toda a simpatia do mundo: "Oi, eu sou a Claudia, mãe da Raquel. Ela fala muito da sua filha, você podia deixar ela hoje fazer um lanchinho lá em casa?". Deixei feliz, porque estava com febre e tinha Miranda com 3 meses, para cuidar inteiramente sozinha e autônoma. Claudia era alta, com uma postura impecável, linda, de sorriso largo e tinha os cabelos bem curtinhos, super estilosa.
   O marido dela, Fernando, foi levar Dora de volta para casa. Minha filha chegou toda radiante porque Raquel, além do irmão gêmeo Pedro, tinha mais dois, Vítor e Breno. Com seu jeito rápido de falar, contou que Fernando era muito divertido e que eram todos ótimos. Outra vez Claudia me convidou para tomar um café em sua casa, quando fui deixar Dora na escola. Passamos a tarde toda conversando sobre tudo. Que mulher apaixonante! Não dava vontade de sair do lado dela.
    Me contou que o cabelo curto era porque teve câncer de mama e passou por quimioterapia, que foi miss Santos, teve história triste na infância, era carioca, engravidou dos gêmeos por (maravilhoso) acidente e que estava com o amor de sua vida há mais de 15 anos. Vi que não teria mais jeito e seríamos amigas para sempre. Então lhe contei minha situação com Dora, de "foragida". Me apoiou totalmente e disse que faria o mesmo, embora não imaginasse o Fernando agindo de forma tão torpe.
    Nossa amizade crescia na mesma proporção que a de Dora e Raquel. Nossas filhas eram da mesma classe e faziam ballet juntas. A influência dessa família para Dora foi ótima. Ela passou a levar seu prato para a pia, "arrumar" a própria cama e quando ficava nervosinha, com alguma negativa minha, Raquel dizia: "Desculpe Dora, mas sua  mãe tem razão". Me senti no céu quando fui na festa de alguns amigos de Claudia e ela me apresentou como sua irmãzinha. Quanto orgulho e desejo de ser irmã dela eu tinha.
    Sua casa era impecável, cada detalhe tinha uma história pessoal. Na Páscoa era cheia de coelhos e chocolate, no Natal tinha todos os enfeites lindos, que encantavam as crianças. Ela não suportava me ver chorando e tinha uma palavra positiva para tudo. Me ensinou a  maquiar meus olhos. "Você tem que valorizar esses olhos lindos, grandes e expressivos!". Me ensinou coisas práticas da vida, como picar salsinha e colocar no congelador, esquentar água no inverno para lavar a louça e fazer quatro coisas ao mesmo tempo. Me deu cintos de presente quando fiquei muito magra e minhas calças estavam caindo. Me deu um guarda-chuva gigante de arco-íris, para alegrar os dias de chuva, vestidos lindos para me deixar linda e fazia os melhores bolos e trufas do mundo. Me deu um bolo maravilhoso de presente de 40 anos! Era festa dos gêmeos Pedro e Raquel também, que aniversariam um dia depois de mim.
    Quando Dora foi levada, ficamos ainda mais amigas, apesar de eu não ir tanto na casa dela, porque percebia que Raquel ficava triste, porque a melhor amiga desapareceu de sua vida. Em janeiro de 2012, Claudia foi na minha casa, nem tinha me dado conta que não nos falávamos desde o seu aniversário. Cláudia gostava de olhos nos olhos, de papos longos, não era dada a conversas virtuais, no máximo telefonemas. Queria pessoas, contato, toques, beijos. Me abraçou chorando porque estava muito preocupada comigo. Me contou que o câncer havia voltado, na coluna e fêmur. Falávamos abertamente sobre a doença, eu via seus exames e entendia tudo (trabalhei no Hospital do Câncer e outros casos para outros posts). Estava sempre muito saudável e preparada para qualquer batalha.
    Quando eu ia em sua casa e começava a falar dos meus problemas, me sentia uma egoísta medíocre, mas ela dizia que não, era bom saber que existem outros problemas além do câncer. Era tão direta, tão prática e objetiva. Nunca imaginei que ela perderia a batalha. Não achava justo alguém como ela ir tão jovem, tão linda, com a família mais linda que já conheci (e olha que conheço muitas famílias lindas). No início de dezembro de 2012 fui em sua casa para comemorar o fim das quimios e radioterapias... mas havia atingido a cartilagem e ela disse que eram dores realmente insuportáveis. "Caraca, essa doença é mesmo ardilosa!" Mas falava isso sorrindo. Passei o dia todo na casa dela, porque nunca tinha vontade de sair de lá.
     Fui assistir a apresentação da Raquel no Teatro Municipal de Santos, levei comigo os amigos Maria Paula, Marcinha e Marcelo. Como Raquel é centrada e disciplinada. Que menina linda que brilha no palco! Que saudade de ver Dora e Raquel juntas! Logo após o Natal fui ver a Claudia. Estava no quarto, doía levantar, mas me abraçou sorrindo e estava linda, sempre tão linda. Disse que havia perdido quase 10kg. Respondi que então estava 10 kg acima do peso, porque continuava maravilhosa.
     Ligamos para Dora, que falou com Raquel e Cláudia pela primeira vez em quase 2 anos! Quanta emoção! Enquanto Raquel saiu do quarto para falar ao telefone, tivemos uma conversa dura. Ela havia tomado morfina e era muito estranho ver alguém que nunca sequer vi alcoolizada, ir transformando-se sob o efeito da droga. Me pediu que, se caso morresse, mantivesse contato e fizesse permanecer a amizade entre Dora e Raquel. Assim como eu, imaginava as duas juntas na adolescência, na vida adulta e por toda a vida. Assim como confiava em mim para deixar seus filhos sob meus cuidados, eu confiava nela e no Fernando. Me deu vontade de chorar, mas não chorei, apenas ri nervosa, porque não seria preciso isso. Disse ainda que eu era uma irmã para ela, como se nos conhecêssemos de toda vida.
    Ela se foi para sempre em janeiro deste ano. Lembro dela sempre que pinto meus olhos, faço coisas práticas na casa, uso os presentes que me deu. Ou seja, todos os dias. E sinto sua presença sempre que encontro seus filhos, tão lindos, inteligentes e carinhosos. Antes de lamentar, agradeço a passagem meteórica dessa pessoa incrível em minha vida. Foram menos de 5 anos, mas que valeram por uma vida inteira. Prefiro acreditar que ela era um anjo que deixava tudo e todos mais lindos. Que deixou minha vida mais linda e com mais amor e amizade. Que está perpetuada nos filhos maravilhosos.
   Muitas vezes declarei meu amor por ela, mas ainda acho pouco. Deveria ter dito que me tornei uma pessoa melhor depois que a conheci e que por toda a minha vida e além dela vou amá-la. E se ela fosse uma música, seria essa:  http://youtu.be/TzTVn5w4kWU 
    

2 comentários:

  1. Nossa lindo me emocionei,chorei lembrei das coisas que a Claudia falava pra mim me ensinava ela foi muito especial e da vida pessoas especias deixam saudade muita saudade isso e importante ,nao e dinheiro nao e poder porque da vida agente nao leva nada mas podemos deixar a nossa historia uma historia linda e isso ela deixou muita saudade muita mesmo dessa pessoa maravilhosa que foi a Claudia,perfeito tudo que vc escreveu.

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    1. Obrigada... a verdade é que tinha muito mais para escrever, mas começava a chorar, pq ela faz tanta falta... tanta coisa q me acontece e penso: "o que a Claudia diria sobre isso?". Ela me ensinava o tempo todo... eu que sempre me achei tão esperta... e tantos planos que tínhamos e não sei bem o que fazer com eles... obrigada pelo carinho e por dividir essa amizade tão grande!

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