segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As Crianças no Matrix


   Uma pesquisa recente mostrou que as crianças de hoje são mais lentas e menos saudáveis do que as de 10 anos atrás. Hoje se cansam com mais facilidade e tem menos resistência. Quando começou a era digital já houve quem falasse que a evolução do ser humano seria perder a coordenação motora fina. Sem a necessidade de pegar em lápis e pincéis, apenas digitando teclas, as crianças já aprendem a ler e escrever em monitores. Se o corpo de um adulto sente as dores e danos causados por ficar muito tempo sentado com o pescoço abaixado e má postura, imagino o de uma criança, que está em pleno desenvolvimento, suplicando por espaço, descoberta de movimentos e limites físicos.
   Para mim é tão fácil entender que minha filha de quatro anos não precisa de tablet ou smartphone. Nunca nem me pediu de presente. Percebo a diferença da infância nesta década por experiência. Minha filha mais velha, hoje com 11 anos, conheceu vídeo cassete, discos de vinil e rolos de filmes. Fez a transição do manual para o digital. Eu tinha vinis e CDs e muitos filmes. Miranda, como sua turminha, já nasceu digital e sabe procurar suas músicas e vídeos no youtube, mesmo sem saber. Mas faz isso no meu computador, quando eu deixo. Ela não é menos saudável e resistente do que as crianças da década passada, ao contrário. Mas também não tem brinquedinhos eletrônicos como os bebês desta década.
   O que tenho percebido neste mês de dezembro, quando o consumismo é incentivado, motivado e exigido, é que a maioria das crianças não pede bicicletas, patins, pranchas e skates. Preferem videogames e tablets. As crianças são induzidas a ficar em casa, sem movimentos físicos, por horas, em jogos virtuais, conversas virtuais e acabam achando mais divertido, mais familiar, preferem os jogos aos amigos. É mais cômodo e seguro para a maioria dos pais. Chegam do trabalho e não precisam jogar bola, correr, andar, jogar Banco Imobiliário, Monopoly, dominó, quebra-cabeças. Agora há uma babá eletrônica ainda melhor do que a televisão, porque pode ser levada em todos os lugares: restaurantes, supermercados, praias, viagens. Os filhos ficam por horas em silêncio e ocupados, no seu Matrix particular.
   Além de ver no meu cotidiano, também acompanho matérias sobre o uso dessas tecnologias por crianças tão pequenas. A verdade é que não sabemos o quanto essa rotina afeta suas mentes e emoções, só saberemos quando crescerem. Daqui 15 ou 20 anos, quando essas crianças forem os jovens da vez, entenderemos, por meio de sua socialização, interação, hábitos cotidianos, no que deu viver a infância no Matrix. Mas, fisicamente falando, temos um prognóstico. E já deu para perceber que não é legal. Se o objetivo da vida é ter saúde e felicidade, não é inteligente promover uma sociedade fechada em casas e condomínios. Condenada ao isolamento, medo da violência e vários tipos de fobia, que acabam detonando transtornos psíquicos. Uma sociedade cercada de tecnologia, mas que não aguenta uma caminhada, caso precise fazer compras diretamente no mercado, um dia que cair o sistema. Como ser feliz e ter saúde sendo sedentários já na infância?
   Enquanto eu escrevo, minha filha Miranda está com amigos entre quatro e 10 anos, brincando de bonecos. Entre eles não há essa de brincadeira de menino ou menina. Os meninos são ótimos exercitando-se ludicamente como pais. Cuidam das filhinhas, vão para o trabalho e sabem combinar as roupas. Miranda é uma ótima zagueira e seu amigo Gabriel, também com quatro anos, mais magro e rápido, chuta a gol que é uma beleza. Na piscina todos sabem mergulhar e bater pernas. Minha filha tem tanta energia que acabo reclamando da minha estafa em acompanhá-la. Tem gente que acha que devo levar ao psicólogo, porque “ela está sempre querendo fazer coisas e tendo ideias para se distrair”. Em minha defesa digo que, se levá-la irão receitar ritalina (a droga preferida entre os psiquiatras infantis). “Mas não seria bom ela tomar e ficar normal como as outras crianças?”.
   A definição de normalidade é realmente relativa. Na minha concepção de infância feliz, há curiosidade, experimentação e vontade de fazer coisas! A criança pode se distrair com tinta, massinha, giz de cera e lápis de cor. Mas um tablet é mais asséptico. Não suja as mãos, roupas, mesa e chão. E a criança se distrai por mais tempo e sozinha. Não desejo criar minha filha como uma “excluída digital”, até porque eu gosto muito de usar e conhecer novas tecnologias, o que desejo é criar um ser saudável. Tenho conseguido e percebo muitos pais com a mesma consciência. Sinto-me privilegiada em morar nesse espaço e conviver com crianças não contaminadas pelo consumo tecnológico. Preferem brincar e correr e todos os dias ficam muito suadas, com alguns arranhões. É uma vida de condomínio, com câmeras por todos os lados, elevadores e regras da boa convivência. Nas cidades não há mais como brincar nas ruas, pois a rua é dos carros, não das pessoas. Resta o condomínio e continuar me considerando uma pessoa de sorte.

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