quarta-feira, 20 de maio de 2015

O que Ouvem, O que Pensam, O que Sentem

    Ainda criança, quando já voltava da escola sozinha de ônibus, naquela  paisagem que nunca mudava, comecei a prestar atenção nas pessoas sentadas, em seus rostos, imaginava suas histórias, criava acontecimentos. Conforme fui crescendo e passei a ter minha própria trilha sonora nos ouvidos, comecei a tentar adivinhar o que está no ouvido dos outros. 
     Dos ônibus passei a exercitar essa adivinhação nos metrôs, nas filas, nos hospitais. Eu mudo (e creio que todos mudem) o estado de espírito conforme a música. Tem dias que a gente está mal e parece que quer ficar pior, daí ouve aquela canção triste, melancólica e nostálgica para ir até o fundo do poço. Quando minha amiga Márcia Abad passou músicas para o meu celular, ainda brincou: "Coloquei Love Hurts também, porque nunca se sabe quando vai precisar". Acabei escutando essa música nas minhas várias subidas de Serra do Mar, achando divertida... mas não é que comecei a lembrar dos amores que me machucaram e até chorei! E não é que o amor continua machucando!
    Uma vez estava atravessando de barca, uma tarde linda, com aquele céu colorido, uns navios no Porto de Santos e na minha frente uma garota mais linda que a tarde, bem gorda, de seios fartos apertados na blusa, moreníssima, de olhos verdes, mareados por uma dor que parecia profunda. Ela suspirava, prendia o ar e tentava disfarçar as lágrimas. Me deu vontade de colocar The White Stripe para ela ouvir, só para mudar as batidas daquele coração que estava sofrendo. Mas quando ela percebeu que eu percebi, só consegui levantar as sobrancelhas com aquele olhar de Everybody hurt, everybody cry, sometimes...
      Sempre que ando pela avenida Paulista ouço essa música https://youtu.be/NuSbELCNloc do Arcade Fire. A melodia é incrivelmente alegre, tenho vontade de sair dançando e cantando como a vocalista, mas a letra... ah, que letra mais profunda! Fala dos dias em que nossas vidas parecem sem propósito, mas que na noite os sentimentos nadam até a superfície, porque é lá que encontra luzes. Fala das luzes e prédios da cidade que surgem como montanhas atrás de montanhas e se é impressão ou se o mundo é mesmo tão pequeno, que nunca alcançará a expansão desejada. É muita poesia numa música só. Pede para apagar as luzes e ficar na escuridão, porque os beijos acontecem na escuridão (penso que dos olhos). E eu passo pela avenida mais movimentada do Brasil com vontade de cantar essa canção e dançar essa melodia. Na verdade muitas vezes canto, coloco no repeat até chegar ao lugar combinado. Músicas inspiram. Ouço tão alto que o celular avisa que posso danificar meus ouvidos. Ora, já é tanta coisa danificada mesmo...
      E de uns tempos pra cá, coisa de um mês, está acontecendo uma nostalgia louca musical, eu que sempre fui tão "novidadeira", não sei se é coisa da Lua, das constelações, dos planetas, do inverno e do frio que já chegaram, ou saudade das pessoas que prematuramente partiram. Aceito sugestões de músicas que alegrem minha alma, que mudem meu dia, que ampliem minha percepção da realidade. Aceito poesias musicais e sorrisos mesmo que com lágrimas.
      
      

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Das Coisas do Amor - Que não Explica Coisa Nenhuma

   Sempre penso na explicação das coisas, uma razão de ser para o tal fato bizarro que aconteceu ou porque não ter evitado algo que estava na cara que iria acontecer. E quase tudo tem explicação física, química, matemática ou alguma ciência específica. Procuro lógica para o que parece irracional ou incompreensível. Sei que tudo começa e acontece e muitas vezes acaba, antes mesmo de acontecer, ou do parece que aconteceria. Quase sempre. Ou sempre. 
   Ainda não achei sentimento, leis, opiniões, ideias que sejam imutáveis ou infinitos. Talvez o amor. Mas penso que o amor muda, ele cresce, é mutante, mas não se nunca acaba. E só posso crer no amor infinito se deixar de acreditar na finitude do ser. É preciso ser para amar ou basta estar?
    Tudo que somos e sentimos começa na questão filosófica. Até o amor. Mas é muito mais do que isso, é tão complexo racionalizar o amor, quanto destrutivo. Escolhemos a quem amar na maioria das vezes. Porque amamos o que somos no outro ou para o outro. E de tanto pensar no amor, ele acaba porque não era amor, era o reflexo do que queríamos ser e que vemos quando estamos com o outro. Porque o amor não pode ser tão simplesmente filosofia e literatura. O amor é muito maior e ancestral nisso tudo. Nisso tudo que é a vida e o Universo.

  Se somos todos iguais por que só algumas pessoas causam ebulição nas outras? Há o coração que acelera não pelo movimento do corpo, odores que causam náuseas ou sons que estouram os ouvidos. Apenas pela lembrança o coração já vibra diferente. E o corpo estremece, de calor ou de frio. Um rosto que parece a junção de todos os rostos que já passaram. A sinergia de todos os músculos e órgãos no mesmo objetivo, na mesma dança, tão lúdica quanto primitiva, tão suave, quanto intensa.
  Isso não deve ser apenas química, física quântica e biologia. Teria algo de muito mais espiritual no amor  do que químico, muito mais inexplicável do que plausível. Seria espiritualmente tão forte que passaria do metafísico para o físico. Assim como os laços químicos e biológicos que unem mãe e filho. Esse amor também tão visceral.

   Há quem diga que ninguém morre de amor. Penso ao contrário, que todos morremos de amor. O amor mata sempre uma parte de nós que precisa ir embora, ou porque o tempo acabou ou para nos deixar mais livres, mais leves. Com mais espaço para o amor. E talvez por isso eu pense que o amor pode mesmo ser infinito, porque nos mata, nos leva embora do que somos, mas nos deixando vivos, nunca morre em nós. 
   O amor traz todas as questões de todas as áreas, em todas as vidas. O tanto que a gente pensa e sente quando o filho nasce, o tanto que a gente pensa e sente quando percebe que está mesmo apaixonado. As mudanças químicas transformam o corpo, alteram percepções, ludibriam sentidos. Eu perco a fome, o sono, o foco, mas de alguma forma, ganho o que não costumo ter, fé. Acredito em cada abraço que dou, faço apertado e prolongado. Sincronizar a respiração e as batidas cardíacas, sentir o cheiro, afagar os cabelos. Demonstrar o amor.
  Não há nada que expresse mais amor do que o abraço. Não precisa de palavra nenhuma, nem falada, nem escrita, sem verbalizações ou questões que nos roubam o agora. Nas vezes que me senti próxima de algo divino, que pode ser deus, estava envolvida por braços. Os delas e os dele.