As
relações afetivas passaram por uma mudança radical nas últimas
duas décadas. Eu, que as vivo antes da revolução digital, sinto na
pele a angústia da transformação. Antes apaixonava-se por alguém
através do olhar, pelo som da voz, pelo cheiro que inebria, pelo toque inesperado que arrepia. Hoje abre-se o
coração para estranhos, em assuntos profundos, antes só ditos para
os amigos mais íntimos, fala-se de melancolias existenciais, busca
da espiritualidade, desejos, indecisões. Pessoas agora apaixonam-se
pelo que leem sobre o outro e o que o outro diz sobre si mesmo. Então
passam do virtual para o real e vivem uma paixão, que logo acaba. Ou
dura para sempre. Conversas virtuais podem ser as mais sinceras ou as
mais falsas, cheias de sortilégios. Há uma dificuldade enorme em se criar vínculos, proporcional a de quebrá-los. Há antagonismo em tudo.
Não nego que muito antes da internet, a escrita já me seduzia. Como
viajava muito e conhecia nadadores pelo Brasil afora, era comum e um
imenso prazer escrever cartas, levá-las ao correio, esperar a
resposta. Numa dessas competições conheci um menino, ainda mais
novo que eu, então com 12 anos. Era gentil e falante, um tanto
precoce, lia bastante, quebrava recordes. Escrevíamos cartas e eu
ficava admirada com o português sem erros, a narrativa do seu
cotidiano, de suas aflições. Mas o contato se perdeu porque não
havia nem e-mail e mudei de categoria (de Infantil para Juvenil).
Uns três anos depois nos reencontramos numa outra piscina. Ele já
maior do que eu no tamanho. As cartas voltaram. Me apaixonei. E
quando as cartas pararam e quando parei de nadar, as notícias
cessaram. Foi mais fácil esquecer. Era muito mais fácil desligar-se
de alguém, ao menos mentalmente. Sem ter notícias, sem procurar
notícias, o esquecimento vem, mesmo que as impressões do amor
fiquem eternizadas no coração.
Antes, se você quisesse mesmo escapar de alguma relação
torturante, daquelas que você sabe que não tem mais jeito, mas não
consegue esquecer, era só frequentar outros lugares ou, em casos
extremos, mudar de cidade. Hoje você está em outro País e sabe
como e o que o outro está fazendo. E a confusão é para os dois
lados. Quem decide terminar não consegue se desligar, quer saber se
o outro está bem, se já encontrou alguém. Quem foi “terminado”
também quer saber se o outro está bem ou se já tem outro alguém.
E um procura saber do outro, pela mesma razão, mas com sentimentos
distintos. É muita energia e tempo perdidos. Há falta de
autocontrole.
Assim como é difícil levar, é também tão fácil trazer. Aquele
que estava esquecido ou guardado com carinho em algum lugar do seu
inconsciente ou coração, aparece na sua timeline como
sugestão de amizade, você convida, você aceita, você começa a
ler o que escreve, constata que sua narrativa é ainda mais
cativante, que sua personalidade é humanista, que seus hábitos são
saudáveis. Pensa em tudo que poderia ter sido e não foi.
Você deixa tudo como está. Não quer mais começar ou terminar
nada. Quer seguir resolvendo seus problemas e tentando salvar o
mundo. Quer lutar por causas nobres e pessoais. Tenta controlar a
curiosidade, para de mostrar o quanto está bem ou sofrendo. Sumir
virtualmente agora parece uma espécie de morte. As pessoas começam
a ficar preocupadas com você. Mas ao contrário, sumir deste mundo,
é um abraço na vida!
E num dia ensolarado você pode reencontrar alguém que atravessou
décadas de transformação, como você. E percebe que as palavras
escritas são mesmo sedutoras, são tocantes, emocionam, divertem e
podem causar muita admiração. Mas nada supera olhar nos olhos,
enquanto ouve. Olhar nos olhos enquanto fala. É a melhor forma de
resolver qualquer situação. Falar e ouvir, sem intermediários, sem
edições. Com o coração aberto e a mente tranquila.