segunda-feira, 18 de abril de 2011

Cárcere Infantil

  Escrever sobre o período mais traumático da minha vida não é tarefa fácil. Mas é preciso esclarecer alguns fatos, pois cada vez mais a história se repete. Até hoje o motivo pelo qual fui fazer visitas para minha filha Dora, então com 3 anos e 7 meses, num Visitário Público (espécie de cárcere infantil) monitorada por psicólogos, assistentes sociais e policiais militares, ainda é confuso para muita gente. Até amigos muito próximos se atrapalham com o amadorismo dos advogados da época somado ao meu desespero em ver Dora com urgência. Para piorar tem ainda o sadismo e oportunismo da outra parte, aproveintando-se da situação para inverter fatos!
  Há 6 anos - abril de 2005 - eu tinha a guarda provisória da Dora e o pai fazia visitas em finais de semana alternados, levava para viajar, participava das festinhas da escola em Boiçucanga, no litoral norte de SP, ligava quando queria para minha casa. Isso seguia enquanto esperávamos marcar uma audiência sobre guarda definitiva. Eu já sabia que guarda definitiva não existe, pode ser revertida a qualquer tempo, com agravo. Então para melhorar essa história eu estava disposta a mudar para o Guarujá, deixando Dora mais perto do pai, que morava em São Paulo. Enfim, tudo parecia se encaminhar rapidamente para um final gratificante. Esse processo já tinha mais de 6 meses! Nas férias Dora ficou 15 dias com o pai, período em que fui para o Chile. Trocava emails diariamente com o pai de Dora e ligava quase todos os dias para ela. Voltei da viagem, dormi na casa de amigos e o pai de Dora foi levá- para mim. Tudo tão civilizadamente... 
 
E assim fiquei sem chão

  Aconteceu que em agosto de 2005, ao chegar na rodoviária do Guarujá para buscar minha filha, quando Dora voltaria  do fim-de-semana do Dia dos Pais, ela não chegou! Minha mãe ligou no meu celular para dizer que o pai dela havia ligado com uma história de que Dora machucou o dedo, mas estava bem! Não, Dora não tinha machucado o dedo e não acredito que estivesse bem! Passei uma semana tentando falar com ela, com o pai e ninguém me dizia nada sobre o paradeiro dela! No máximo os avós repetiam que "estava viajando pelo interior com o pai"! Chegou ao ponto da advogada Marta Macruz de Sá, da outra parte, me ligar em casa para me colocar "a par dos fatos". Que o juiz passou a guarda provisória para o pai, pois o mesmo cismou que eu fugiria para o Chile. Tinha provas circunstanciais.
  Essa advogada me ligou tanto que cheguei a gravar uma conversa de 18 minutos. Da minha parte, a advogada Jussara Esther Aguiar comia uma mosca andróide, já que o árbitro passou a guarda baseado num agravo apresentado ao Ministério Público. Meus defensores deveriam ter sido rápidos, mas não, aceitaram determinação baseada em suposições estapafúrdias.
   Mil burocracias a parte eu precisava ver minha filha de 3 anos e meio que foi levada sem nada, sem entender nada, era para voltar na segunda e ela nem queria ir. Eu insisti para que fosse, era dia dos pais e seria muito gostoso. Dora foi confiante, ainda comprei mais uma revistinha das princesas e dei na rodoviária. Me deu tchau e foi com essa revistinha. Suas bonecas, roupas, álbuns de figurinhas, tudo estava lá comigo esperando por ela - peraí? Estou maluca ou está tudo se repetindo? Estou falando de acontecimentos ocorridos em 2005!
  Mas isso não podia estar acontecendo. Muita autoridade, trata-se de uma criança que fica repentinamente privada de ver a mãe! Deveria haver alguma forma de eu ver minha filha! Segundo Muruy de Oliveira, o parceiro, assistente e sócio de Jussara, eu teria que passar por perícia psicossocial. Quando saísse resultado da perícia, com certeza visitaria Dora. Mais absurdo ainda. A tal perícia poderia demorar meses, em seguida o recesso de final de ano. Imaginem ficar sem ver Dora por até 6 meses!
  Muruy me veio com a alternativa do tal visitário público, se eu pedisse veria Dora no próximo fim-de-semana. Eu quiz! Eu não sabia o que era, mas veria minha filha, falaria com ela. Em alguns dias Muruy me ligou para confirmar visita no tal Visitário. Ele estava satisfeito por ter conseguido as tais visitas, todos os sábados, das 10h às 16h! Depois eu fui saber que Muruy de Oliveira nem tinha inscrição na Ordem dos Advogados nessa época, mas enfim, era ele quem tocava o meu processo, Jussara só assinava e agora entendo porque aconteceu tamanho equícovo.
  Um dia antes da primeira visita Jussara me ligou recomendando que não levasse brinquedos porque lá não havia nenhum e as crianças poderiam brigar pelos de Dora. Logo se via que Jussara não entendia mesmo de crianças, fiz o oposto, preparei uma mala carregada de brinquedos. Fui de ônibus, fiz baldiação de metrô para a zona leste e fui me aproximando do que parecia um presídio! Da calçada cheia de buracos eu avistava altos muros cinzas e brancos. Passo pelo portão onde dois policiais fardados me cumprimentam. Só cimento,  nenhuma árvore ou planta. Subo uma rampa e mostro meus documentos para uma assistente social e uma psicóloga. Vejo Dora! Largo a mala e corro para abraçá-la, meu coração dispara, ela não acredita que está me vendo, quer olhos nos olhos e não pára de me beijar.  "Eu te amo, mamãe! Que saudade!". Aperto forte minha menina e percebo que está mais magra,os olhos um pouco fundos... para que esse sofrimento precoce minha filhinha?
  Ela mal pegava suas bonecas, só queria ficar no meu colo, me abraçar e conversar. Ficamos num canto, em colchonetes azuis, desses de academia. Eu não entendia aquele monte de gente estranha participando de momentos tão meus e de minha filha. Profissionais analisando nossas conversas e carinhos. Tudo muito perturbador. Depois fiquei sabendo que na teoria esse era o lugar destinado para encontros de pais que pudessem oferecer risco aos filhos: violentos, estupradores, dependentes químicos ou sei lá mais o quê! Mas na prática era um lugar onde pais desesperados com a lentidão jurídica apelam para ver os filhos e se arrependem, pois a outra parte aproveita-se desse desespero e usa a criança para manipular situações . O próprio sistema sabe disso. Posteriormente, em conversa com a assistente social do meu processo, afirmei ser impossível aqueles pais terem molestado suas filhas. Resignadamente ela respondeu que em cada 70 denúncias, duas são verdadeiras, as outras 68 são ex-esposas vingativas que querem destruir o homem. É mais raro no meu caso. Eu mesma só conheci mais duas na minha situação. De mulheres que vão visitar os filhos...

A Vida em Desespero

  Mas quero voltar nessa primeira visita. O início de um calvário que resultou numa sequência de atitudes desesperadas. É o preço que se paga por não ter paciência, não saber esperar. O calvário só aumenta. Mas até de uma cova funda você vê uma luz. Um rapaz simpático, com um enorme sorriso solidário se aproximou: "Você é nova aqui, né?" Era o Evandro Paiva, pai de Pietra, já nesse esquema de visitas há 9 meses! Seríamos companheiros de sábados cármicos. Vê-lo ali com sua filha, brincando e sorrindo, uma menina amorosa, que parecia gostar tanto do pai...como ele foi parar ali? Ah, sim, fazia parte da estatística da vingança. O caso dele era tão doentio que a mãe de Pietra não se contentava em deixar a filha lá. Ficava das 10h às 16h e até levava lanche, já que o Visitário também era desprovido de lanchonete ou alimentação gratuita. Nós é que tínhamos que nos preocupar em proporcionar refeições, do jeito que desse, no chão mesmo.
  E com isso tudo Dora estava tão feliz, só queria ficar abraçadinha na mamãe. Perguntava quando o juiz ia decidir com quem ela iria morar. Que ela pedia para morar comigo, mas o pai respondia que o juiz é quem iria decidir. Eu só tinha vontade de chorar, mas dizia que o juiz seria justo e faria o melhor para ela. O tempo passou rápido. Um pouco antes das quatro o pai da minha filha apareceu, junto da namorada, com quem Dora estava morando. Ele abaixou e abriu os braços lá do portão. Dora viu, me agarrou e começou a chorar. "Não mamãe, eu vou ficar com você, a gente dorme aqui mamãe!" Eu a abraçava e não pude mais conter tanto choro. O pai dela aproximou-se impassível. "Vamos Dorinha, você tem que ir comigo!". Ela dizia não com a cabeça e chorava até perder o fôlego. Tentei acalmá-la de todas as formas. E um policial chegou mais perto, falou com Dora de jeito carinhoso, teve que literalmente arrancá-la de mim, mas sem violência, pegou-a e passou para o pai. Enquanto via Dora indo embora, limpando as lágrimas com uma mão e acenando com a outra, minhas pernas desabaram. Esse mesmo policial, Laerte, me apoiou e com lágrimas nos olhos, disse. "Em tantos anos, nunca vi cena igual. Não imagino o que a senhora fez, mas essa menina te ama e não merece passar por isso". Tomei uma água, o policial era muito mais sensível a dor da Dora do que o próprio pai.
  Antes de ir ainda conversei mais um pouco com o Evandro. "Você vai ter que ser forte para aguentar isso aqui, é uma pressão terrível!", me alertou. Sim, ele tinha razão. Sábado após sábado eu tinha que estar refeita para enfrentar tudo aquilo  de novo, com situações de brigas pesadas, constrangimentos, climas de mágoa, rancor, vingança, tudo o que crianças não precisam ser submetidas a passar.
  Será que eu iria suportar descer a Serra do Mar todos os sábados, com lágrimas nos olhos e estilhaços no coração? Passar meus domingos jogada na cama chorando? Tentar me recuperar na segunda-feira e já ficar mal na quinta quando começava a arrumar a mala de brinquedos? Conseguiria suportar ver minha filha ser sistematicamente arrancada de mim todos os sábados naquele lugar sombrio por tempo indefinido? E durante a semana passar por perícias psicológicas e tentar em vão falar com Dora ao telefone? O que seria a minha vida a partir de então? Era duro demais até para a mais forte das mulheres perfeitas. E eu estava cada dia mais fraca e sem paciência.

2 comentários:

  1. DOR demais no meu coração de mãe... amiga, nem tive forças pra ler direito, é uma história muito, muito, muito triste... e profundamente INJUSTA! difícil de dizer o que cada um faria no seu lugar, mas eu entendo demais, hj Dorinha tem 9 anos, ainda é tão novinha, mas felizmente esteve ao seu lado estes anos - FELIZMENTE. muita muita força, vou voltar aqui depois, pq agora sem condições de reler os detalhes sem desabar... AMAMOS VCS!

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  2. Que amiga forte, só de imaginar uma situação desta já morro por dentro
    Amiga vc é forte, forte demais...e tem amigos, muitos amigos.
    Só pessoas boas e carismáticas como vc consegue esta multidão de amigos que te amam.
    CORAGEM...ESTAMOS JUNTAS ATÉ O FIM.
    E Dora que menina corajosa, forte e decidida, temos orgulho de vc e de Dora.

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