terça-feira, 19 de abril de 2011

Nosso Natal no Visitário Público

   Mais um capítulo inacreditável da infâcia de Dora!

  Dia 24 de dezembro seria um sábado. Passei a semana em conflito sobre qual decisão tomar: passar o Natal no Visitário com Dora e fazê-la feliz por 6 horas monitoradas ou poupá-la de nova separação dolorosa? Numa das cinco perícias pelas quais passei com o psicólogo forense Sidney Shine, pedi ajuda nessa conduta. "Entendo que você se prive do contato para preservá-la do sofrimento da separação. Por outro lado é tudo o que ela tem com você e espera por esses momentos ansiosamente". Ele só me fez refletir mais ainda. Era tudo o que tinhamos: 6 horas semanais, presas numa caixa de cimento.
  Mas era o único tempo para abraçar e beijar Dora, dizer o quanto a amava e sentia tudo aquilo, acompanhar seu desnvolvimento levando revistas para desenhar, escrever e pintarmos juntas. E estava chegando o Natal, que nunca tinha sido muito especial pra mim até o nascimento de Dora. Depois dela, eu passei a entender melhor o espírito natalino, como verdadeiro símbolo de união e amor ao próximo, amando a todos mais que a si mesmo. Afinal, os locais onde crianças nascem, geralmente são tomados de ternura e esperança!
  Durante a semana Evandro, o pai de Pietra, me animou dizendo que tinha uma roupa de Papai Noel e nós faríamos uma festa! Comprei até uma árvore para montar e minha mãe, que também visitava Dora, fez um vestido lindo para a netinha. O dia chegou. Dora e a amiguinha ficaram radiantes em montar a árvore e mais algumas crianças ajudaram a colocar os penduricalhos. Em algum momento, Evandro esquivou-se da sala e foi ao banheiro, com a devida autorização oficial, colocar a roupa de Noel. Quando voltou com doces e presentes foi delírio coletivo! Estava totalmente disfarçado, barba gigante, óculos... mas não mudou os sapatos! Após detalhada observação, Dora vira para mim e solta essa: "- É o pai da Pietra, né mamãe?" Fiz que sim com a cabeça. "Que legal, mamãe". Sim, era muito legal um pai colocar uma fantasia e transformar um ambiente carcerário em lúdico. Não era legal um pai levar uma filha para passar o dia lá, com sua doce mãezinha. Mas esse dia tornou-se único, especial, definitivo.
  Uma hora antes do final do nosso breve encontro, levei Dora para tomar banho. Uma assistente social nos acompanhou. Observava eu tirar a roupa da Dora, entregar o sabanote, shampoo, muito desagradável e constrangedor. Enquanto eu a secava carinhosamentero - há  mais de quatro meses não dava banho ou trocava minha filha - a mulher disse que nunca tinham usado o local para banho. "Mas deveriam, aqui é muito abafado e as crianças ficam sujas e suadas". Ela concordou comigo e vislumbrei um olhar de compaixão.
  Arrumei o cabelo de Dora artisticamente. Ela estava linda e pronta para passar o Natal com a família da namorada do pai. Isso mesmo, nem com a família paterna ela passaria a noite de Natal. Minha filhinha linda, indo de cabeça baixa ao encontro do pai. Como estava grande, crescida, com ar amadurecido nesses três meses de visitário, morando com o pai, passando por perícias, tantas mudanças, sem nunca mais ver seus amiguinhos Tomás, Serena, Laurinha... tudo isso me passou como um cometa natalino. Ela estava indo para a vida que eu não fazia parte e não me deixavam fazer. Dessa época só sei o que Dora me confiava ou achava importante saber.
  Não me contive e fui atrás dos dois, quem sabe conseguiria comovê-lo. Dora de cabeça baixa, a ergueu com um sorriso. Ele fingiu não perceber nada. Já estavam entrando no carro quando gritei: "Jonas!" Um olhar com flecha de gelo me atinge, mas prossigo: "Feliz Natal!" Nenhuma reação, desprezo absoluto. Só pude lamentar. Espero que Dora já tenha esquecido o pior desse dia, lembre-se apenas de como enfrentamos e transformamos a realidade.

Um comentário:

  1. Olá Adriana!
    Por mais difícil que seja uma situação a criança sempre demonstra pura alegria em viver!
    Prazer em estar aqui!
    Convido para que leia e comente meu “Articulista Psicografado” no http://jefhcardoso.blogspot.com/
    “Que a escrita me sirva como arma contra o silêncio em vida, pois terei a morte inteira para silenciar um dia” (Jefhcardoso)

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