sábado, 28 de maio de 2011

Sobre um Chileno

O Amor Dentro de Mim

    Estava na sala de aula da Metodista, em São Bernardo, onde estudei jornalismo. Ele abriu a porta atrasado, tirou os cabelos negros, espessos e lisos dos olhos e sorriu meio sem graça. Sentou-se ao meu lado e perguntou o que tinha perdido. Nada, eu que perdi de não ter te conhecido ainda, pensei. Seus óculos de aro preto e lentes grossas, deixavam seus olhos ainda mais rasgados. Parecia um índio, de pele morena e sorriso largo.
  Logo nos tornamos amigos inseparáveis, éramos do mesmo grupo, depois das aulas íamos ao mesmo barzinho tomar cerveja, falar de jornalismo, política, música e poesia. Francisco Cabezas, meu querido Chico, era chileno, portanto, poeta de nascença. Sua família mudou-se para o Brasil quando ele tinha 6 anos, em 1977, para fugir do Governo do ditador Pinochet. Nessa época, por aqui já se vislumbravam dias de esperança com a chegada da Anistia política. Então Chico teve toda a sua formação no Brasil, educacional, social e cultural. Mas nunca esqueceu as raízes, todos os anos passava férias no Chile e voltava confuso, falando "mais grande" e "mais pequeno". Dizia que quando se formasse voltaria ao seu País.
  Não lembro exatamente quando me apaixonei por ele, se foi nesse primeiro dia, em 1991. Se foi por alguma das inúmeras poesias que escrevia em meu caderno e que guardo até hoje ou se foi numa festa em que, embriagados, paramos de falar e começamos a nos beijar.
  Quando mais nova eu era ainda mais racional. Não queria trocar o certo pelo duvidoso. Nossa amizade era certa, a paixão é sempre duvidosa. Sempre preferi o bom amigo ao mal amante. Não que Chico fosse mal amante (nem cheguei a fazer o teste, na época), mas relacionamentos amorosos, geralmente alteram a amizade. Me arrependo muito até hoje de ter pensado assim. Além do mais eu tinha um namorado, com quem terminei só por começar a pensar no Chico com outras intenções. No fim, voltei com o namorado, que não era duvidoso, e com quem fiquei por 5 anos. Um ano após a conclusão do curso, Chico foi  mesmo para o Chile, trocávamos cartas (não tinha internet), declaramos nosso amor tardiamente. Por fim, as cartas foram cessando e perdemos o contato.
  Em março de 2003 recebo uma mensagem de um tal Javier Cabezas, meu coração disparou! O assunto era: Desde el Chile. Timidamente se apresentou e se eu fosse a Adriana Mendes que estudou na Metodista, perguntou se me lembrava dele. Pergunta descabida! Ele sim parecia ter esquecido da pessoa que mais se lembrava de tudo. Procurou por mim na internet e apareceram 3 Adrianas Mendes, uma atriz pornô (essa ele descartou), uma poeta portuguesa (poderia ser eu exercendo minha dupla cidadania e assumindo minha personalidade póetica) e um comentário escrito na revista Trip, sobre a eleição do Lula - essa era eu, Chico não teve dúvidas. Começaram as trocas de emails, logo nos telefonamos. E tudo conspirou a favor e em junho ele estava vindo para o Brasil para fazer um trabalho sobre vinhos.
   Quando fui buscá-lo no aeroporto era como se o tempo não tivesse passado. Não faltava assunto e quando faltavam palavras começavam os beijos... e que beijos! Foram 15 dias incríveis, reuni em casa os amigos da faculdade e que tanta saudade sentiam do Chico. Fomos em eventos de degustação de vinhos, passamos um final de semana em Boiçucanga e Dora adorando tudo isso. Ela tinha 1 ano e 4 meses e Chico era uma figura masculinha fantástica. Levava de cavalinho, brincava na cama, dava beijinhos e ainda preparava a mamadeira. Era pai presente de uma menina, Amanda, de 3 anos. Entendia bem do assunto. Nesse período ele foi uma noite para Santos (morávamos em São Paulo), para visitar um velho amigo e voltou no dia seguinte. Passei a noite rolando na cama, angustiada e me bateu um desespero. Ele iria embora e minhas noites seriam assim, até superar, como tudo na vida.
  Senti também que aquela era a vida que eu deveria estar vivendo. Era com ele que eu deveria estar e ter filhos e compartilhar amigos, trabalho, momentos. Foi muito triste a partida. Foi como um poema do Neruda: "Antes de amar-te, amor, nada era meu. Vacilei pelas ruas e as coisas".
  Depois que ele se foi, mergulhei num imenso vazio. Para piorar fui demitida. Houve a tal briga com o pai de Dora, em que ele fez Boletim de Ocorrência contra mim (já postei sobre isso). Só não caí imediatamente em depressão porque tinha o sorriso, o amor e alegria de Dora. Me segurava por causa dela. Estava em São Paulo, sozinha com minha filha, sem apoio nenhum da outra parte, nem emocional ou financeiro. O ator Jonas Melo Golfeto, quando avisado de que fui demitida e que ele precisaria me ajudar de alguma forma, fosse com dinheiro ou ficando com Dora para que eu pudesse viajar a trabalho, ainda disse que eu quis ter a filha, então que cuidasse dela sozinha. Tanto egoísmo e nenhuma consideração por Dora.
  Quando eu contei sobre isso para meu amado Chico (mesmo no Chile era tão próximo), disse que deveria ser um modo de me machucar porque viu que fui feliz com ele. "Mas você foi embora e estou muito triste". Não bastava me ver sofrendo de amor, desempregada e cuidando sozinha de uma criança de 1 ano e meio. A outra parte queria ver meu fim e tenho que admitir, nunca conheci alguém tão determinado em atingir seu objetivo do mal. O que me alenta é que todos os ditadores acabam sendo derrotados por movimentos populares. Cedo ou tarde a verdade vem. Mesmo que Dora esteja sendo alienada nesse momento, quando crescer irá ler tudo o que escrevo e tirar suas sábias conclusões.
 
 

Um comentário:

  1. Nada disso, Adriana!
    Dora não vai precisar crescer para ver quem é a mãe dela! Acredito piamente que em breve você terá sua menina! Pois é o correto e o justo!
    Beijos!
    Syleide

    ResponderExcluir