terça-feira, 27 de novembro de 2012

Perita em Ser Periciada

    Valeu ir ao Fórum de Santos para ser citada e chorar, implorar para que minha perícia psiquiátrica fosse feita antes de 2013, afinal, "quem não é louco não teme". Parece que aqui se importam com o bem estar do menor e trataram de marcar minha perícia psiquiátrica por insanidade mental para dia 26 de novembro, na última segunda-feira. E lá fui eu, adequadamente vestida, penteada, numa manhã chuvosa de uma Santos acinzentada. Cheguei 11h50 para a perícia marcada para o meio-dia. Na portaria perguntaram se eu era advogada, porque antes das 13h só advogados podem subir no prédio de perícias técnicas. Quando eu disse que seria periciada o porteiro foi conferir meu nome na lista. Olhou com cara de estupefato.
    No elevador duas mulheres. Uma elegante, alta, bem vestida, de corte de cabelo moderno. Outra parecendo estar com a roupa que dormiu, descabelada, com raízes escuras e o restante do cabelo loiro, sem maquiagem, com olheiras, arrasada. E um senhor simpático e preocupado.
     Avisamos sobre nossa chegada e sentamos para esperar. A mulher transtornada começou a chorar. Meia hora depois veio a psiquiatra, perguntou quem chegou primeiro. "Chegamos juntos", respondeu a moça bonita, que era advogada da outra. Como vi que o estado de ansiedade da pobre mulher estava no limite, disse que poderia ir na frente. Sentei numa poltrona confortável, coloquei meus fones e fiquei ouvindo Lovesong http://youtu.be/ks_qOI0lzho, minha música preferida do Desintegration (The Cure). Entre uma música e outra, pude ouvir certas coisas, depois perguntei um pouco do caso para o senhor, que era cunhado da periciada. Ela estava em depressão profunda por um processo litigioso de divórcio. Remédios para dormir e acordar, sem comer, sem dormir, só chorando. Sua perícia demorou quase uma hora. Foi encaminhada para o afastamento do trabalho por problemas mentais...
      Talvez essa tenha sido minha vigésima perícia. Só com Sidney Shine, já citado neste blog algumas vezes, foram cinco. Teve ainda o impagável Roberto Moscatello, psiquiatra, perito em traçar pefis de psicopata, tipo Criminal Minds* . Com Moscatello foram umas três ou quatro. Lembro mais deles porque marcaram imensamente, me fazendo conhecer muito mais de mim e porque realmente acreditavam ser possível fazer um mundo melhor. Por isso estava lá, calmamente esperando. Bateu a fome, pois eu tinha comido às 7h30. Bati na porta e perguntei se dava tempo de sair e fazer um lanchinho. A psiquiatra respondeu que poderia ir, mas caso acabasse, chamaria o próximo. Achei um desrespeito, mas só depois fui entender que estava marcarda junto com outra pessoa justamente para agilizar, senão essa perícia só seria feita mesmo em 2013 (depois que o mundo acabasse).
    Esperei mais um pouco, com aquele humor típico de quem passou da hora do almoço. Chegou minha vez. Perguntas de sempre: "Ouve vozes? Vê vultos? Não, não, não... Onde nasceu? Onde mora? Grau de escolaridade? Qual profissão? Toma remédios? Santos. Santos. Superior completo. Jornalista. Não, não tomo nem aspirina senão morro de choque anafilático". "Diz aqui que você já ficou internada no Instituto Bairral". Sim e isso acabou com minha vida. "Não, foi um momento ruim que você passou, você está aqui, bem e viva". Mas acabou com minha vida sim, nunca pensei que ter depressão fosse um crime inafiançável.
    Contei que minha perícia feita com a psicóloga Nádia, em setembro de 2011, ainda não foi apreciada. De lá pra cá a única coisa que mudou é que Nádia escreveu que além do sofrimento de estar afastada de minha filha, a doença do meu pai também me afetava muito. Não me afeta mais, pois meu pai morreu. A doença acabou com a vida dele. Outras doenças, de outras pessoas, me afetam agora, mas nem falei isso para ela, nem vou falar sobre isso aqui. Ela também perguntou se tenho tristezas além das tristezas normais da vida. Sim, tenho a tristeza da morte em vida. Ao contrário do alzheimer, que não nos deixa vestígios do que fomos ou tivémos, a lembrança é a única coisa que tenho da minha filha. Disse que choro todas as noites pensando em Dora. "Seria anormal se você não sentisse isso". 
    Do lado de fora uns sete criminosos, acompanhados de advogados, e um garoto com sinais de retardamento, esperavam a perícia. Todos tão tensos, menos o garoto, tão alheio. A mulher que o acompanhava, com cara sofrida, provavelmente mãe ou familiar próxima, estava quase às lágrimas. Eu no meio disso tudo. Não sou melhor, nem pior que ninguém, mas com certeza aquele não era meu lugar. Nem criminosa, nem insana. Apenas uma mãe que ama muito sua filha e quer muito estar com ela. Antes achava que fazer visitas em visitário público e tantas perícias para provar que não sou louca é pura humilhação. Passo por tudo isso por Dora. Passo por tudo isso porque há alguém obcecado em me fazer sofrer, mesmo que Dora também sofra. Não acho que seja mais humilhante do que os outros que ali estão. Penso que não precisava passar por isso, por esse sofrimento. Mas se passo, algum motivo tem, nem que seja escrever para mostrar como tudo acontece.
     Foi uma perícia muito rápida, porque logo ela percebeu quem é insano nesta história, mas esperemos o laudo médico para saber qual a conclusão. Perguntei se o resultado sairá ainda este ano. "Sim, quero entregar tudo até dia 20, antes do recesso, mas criminoso tem prioridade". Sei que ela disse com a melhor das intenções, mas é duro saber que vivemos em um mundo onde criminoso tem prioridade. É mais importante fazer o laudo criminal do que o meu, é mais importante dar liberdade ou prisão para um criminoso do que dar o direito da Dora ter mãe. Não há mais nada que eu possa fazer a não ser esperar... esperei 9 meses para Dora nascer, em repouso total. Agora espero quase dois anos para falar com ela. 
    Quando saí do prédio a chuva estava torrencial e, claro, estava sem guarda-chuva. Fui comer e tomar café na lanchonete em frente. Logo um senhor falou que viu uma previsão de chuva até o dia 22 de dezembro. A moça que atendia no balcão disse: "Ah, então é o fim do mundo mesmo, vamos acabar em dilúvio". Deu-se início a uma divertida conversa sobre fim do mundo e percebi que a maioria acha que do jeito que tudo vai, melhor que acabe mesmo. Ah, mas esse mundo não pode ter fim sem que eu abrace Dora novamente...
     Segui para casa, com os pingos de uma chuva menos ácida, ao som de Simon&Garfunkel - Bridge Over Trouble Water http://youtu.be/4zNT1pksiSI. Porque a vida não teria sentido sem música, porque queria mostrar essa música para Dora, para que ela soubesse que tudo o que faço é só e tão somente por ela. E, mais que tudo, porque eu sei que ela está sofrendo e eu queria ser a pessoa a poder consolá-la nas horas de lágrimas e escuridão, porque queria poder aliviar sua mente sob pressão e mostrar que ela ainda irá brilhar muito.

* Minha série favorita sobre investigação criminal, está na oitava temporada, passa no AXN, os inéditos às segundas-feiras, 22h. Reprises todos os dias às 10h e 15h. Ainda vou escrever aqui sobre Criminal Minds, porque é muito bom e aprendo muito, muito mesmo.

11 comentários:

  1. Adriana, o que mais me impressiona na tua história é a capacidade que você tem de se manter sã diante de um processo como esse. Dos Golfeto, já se sabe que perderam essa capacidade. Qualquer idiota, por mais que considerasse você louca, o que você não é, não obrigaria Dora a deixar de ver a mãe. Um psiquiatra de verdade ajudaria Dora a entender a mãe louca, se de fato ela fosse, o que você não é. Se o Papa Golfeto tivesse alguma vergonha na cara, aproveitaria essa chance para, enfim, ensinar o Golfeto Filho a enfrentar a frustração, a entender que o mundo não gira em torno dele. Porém ele não fez isso a vida inteira e agora tem o filho que tem. Você vencerá. É impossível apagar a verdade, um dia ela aparece. A noite não é eterna. Sempre amanhece. Acredite.

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    1. Justamente Sergio, qualquer idiota veria que o quanto é importante Dora ter mãe. O próprio psiquiatra, quando me manipulava em mais 120 emails que me enviou, disse que seria extremamente traumático para Dora ser arrancada da mãe. Não só foi arrancada, como é mantida afastada por quase 2 anos. Tentei explicar tal situação no Conselho Regional de Medicina, mas me disseram que ele age como pai e avô, não como psquiatra, como se uma coisa estivesse disassociada de outra. Você consegue deixar de ser jornalista quando está em casa, com seus filhos? Mas entendo a insanidade alheia, o que não entendo são os juízes que não decidem nada, que estão lá sendo pagos pelos nossos impostos, que sabem que Dora há quase dois anos está sendo presa e alienada, impossibilitada de falar com qualquer pessoa do seu passado. Isso eu não entendo. Sei que Dora irá ler tudo o que escrevo, além de saber quem eu sou, isso que importa. Vencer? Não há vencedores nesta história...

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  2. Drica, amiga queriida de infância, senti uma enorme vontade de te abraçar depois de ler este seu post. Estou aos prantos ouvindo a música. Confio que vc dará este abraço em Dora ainda. Beijos, querida! E FORÇA sempre!

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    1. Como não associar essa música com Dora? Imagine uma pessoa saindo de mais uma perícia, lembrando de todas que já fez na vida, coloca o fone, coloca na rádio e ouve essa música. Olha para os vidros com pingos da chuva, numa cidade linda, mas cinzenta, chorei disfarçada, para que os outros do meu lado não pensassem que sou "louca". Obrigada, me senti abraçada daqui, do Brasil.

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  3. Num rompante de otimismo, Renato Russo escreveu Mais Uma Vez. Como vc sabe e me conhece, sou um otimista quase poliânico (isso tb é patológico e não passo por pericias). Sempre disse para você que a volta da Dora é só uma questão de tempo. Não vou cair no óbvio de descrever esse tempo, tão cruel quanto a corja que aprisiona nossa menina. Então, com todos os altos e baixos, com os seus momentos mais tristes surge uma Adriana que muita gente não conhecia ou se conhecia passou a admirá-la muito mais.

    Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena
    Acreditar no sonho que se tem
    Ou que seus planos nunca vão dar certo
    Ou que você nunca vai ser alguém
    Tem gente que machuca os outros
    Tem gente que não sabe amar
    Mas eu sei que um dia a gente aprende
    Se você quiser alguém em quem confiar
    Confie em si mesmo
    Quem acredita sempre alcança!

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    1. Tão lindo meu amigo. Não sei se choro mais escrevendo ou lendo comentários como esse. Sou uma realista incorrigível, você bem sabe e a realidade que vejo é de vingança e muita raiva da família toda contra mim. Será pelo que escrevo? Numa das poucas vezes que o Papa Golfeto (gostei dessa, Sérgio Duran) me atendeu ao telefone, pediu para eu parar de escrever as coisas horríveis que escrevo. Respondi que só escrevo a verdade, o que acontece, se é horrível é porque assim eles o fazem. Adoraria escrever que tudo deu certo, que finalmente eles pensaram no bem da Dora, no absurdo de separá-la brutalmente da mãe e da irmã... não adianta, estão todos cegados pelo ódio. A verdade dói muito.

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  4. concordo com o Sergio.
    A Adri tem os momentos de revolta, de tristeza, de vontade de desistir, e depois lindamente ressurge!
    Admiro mto isso nela!

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    1. Admiro muito todas as mães que lutam sozinhas para manter seus filhos, que amam incondicionalmente. Admiro você que ainda não conheci pessoalmente, mas, assim como a Sy, é minha amiga de infância. Obrigada!

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  5. Que texto bom de ler. Bom porque bem escrito. Detalhes bem narrados me fizeram ver a cena toda, incluindo a trilha sonora. Só os grandes escritores conseguem despertada sentimentos tão forte com frases leves. Texto bom não é só aquele que traz coisas bonitas de se ler. Os escritores que ficaram para história traziam consigo um sofrimento, refletido em sua obra. Pena ser tudo verdade mesmo, ser tão trágico.

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    1. Florbela, o mesmo nome de Spanca, uma escritora que adoro. Estou lisonjeada com suas palavras, emocionada mesmo, feliz porque acho que o objetivo do escritor é se fazer entender e, principalmente, tocar quem estiver lendo. Nunca fui de ficar buscando palavras difíceis para deixar texto bonito, uso meu vocabulário, escrevo quase da forma que falo. Tive uma sensação de que estou fazendo algo realmente importante e cada vez mais tenho a certeza de que o livro que resultará deste blog tocará muitas pessoas... é um alento, talvez a explicação de ter que passar por tudo isso, eu, Dora, Miranda e todas as pessoas próximas que nos amam e sei que sofrem também. Obrigada, de coração!

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  6. Não consigo imaginar um décimo deste sofrimento todo: da dor de não saber da filha, do preconceito vivido, de todas as humilhações que minha amiga é submetida todos os dias...mas ela sobrevive, tenho orgulho da sua força, vc pode não perceber mais tudo isto te fortifica a cada dia.
    Quanto a esta família, não tenho palavras pra tamanha maldade, desde sempre eles procuram fazer o mal a essas amáveis meninas (as 3) porque sofre Adriana Mendes Guarani-Kaiowá, Dora e Miranda.
    A primeira lição é: vc é mais forte do que imagina
    A segunda lição que tiro disto tudo é....não acredite na Justiça...me desculpe todos meus amigos advogados, juízes, policiais, mas esta é a triste realidade, nunca dependa da Justiça, ela nunca te ajudará, em nada. Salvo se vc tiver dinheiro...muito dinheiro e poder.

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