quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Um Sobrevivente do Holocausto

   Meu amigo Marcelo Santos me convidou para ir com ele entregar um vinho que trouxe de sua última viagem à França para o dono de uma pousada na Bertioga, uma das cidades da Baixada Santista. Era um mimo do nosso casal de amigos Maria e Christopher Salmon. Amizade que nasceu por conta de um encontro entre Dora e a filha deles, Nêmora, na praia. Amizade tão forte e sincera que se alastrou por uma rede de amigos. Fui, porque estar com Marcelo é sempre ótimo, ele é divertido, inteligente e meu amigo há 31 anos, ou seja, não preciso explicar mais nada, um sorriso e já dá para entender tudo.
   Ao chegar avistamos uma mesa, com 7 pessoas. Jacques, o dono da pousada e também francês, logo reconheceu Marcelo, que já foi dizendo que o vinho era ainda mais envelhecido, já que estava com ele há quase um ano. Nos juntamos ao grupo de franceses e um árabe, responsável pelos deliciosos camarões do jantar. Sentei ao lado de Jacques, em frente sua esposa Rebecca e sua irmã, Marie. Mulheres já na "melhor idade", lindas, inteligentes, cheias de experiências para serem compartilhadas. O que seria uma passagem rápida tornou-se horas de conversas sobre países, políticas, viagens, gostos, fonéticas, linguisticas. Como adoro tudo isso!
   Então Rebecca falou que morava no Bom Retiro. Disse que já havia trabalhado por lá, na Editora Pini. Na época o bairro tradicionalmente judeu estava tomado pelos coreanos, pois a maioria da comunidade judaica paulistana mudara-se para o bairro de Higienopólis. "Sim, lá só ficaram os judeus ortodoxos!", me respondeu a senhora, dando a deixa sobre sua condição religiosa.
   
   Antes queria ratificar minha admiração pelos judeus, tenho mesmo muitos amigos judeus e todos tem em comum o desejo pelo conhecimento e a solidariedade. E são solidários não só com os seus, todos os meus amigos judeus sempre foram muito solidários comigo e com quem precisasse de sua ajuda. O meu ateísmo permite que eu participe sem preconceitos de debates sobre todas as religiões. O judaísmo sempre me interessou muito e um desses meus amigos, Tamer Memberg Fadida, quase me converteu, com todos os seus livros, seu amor, inteligência e sabedoria. Mas para isso, só me casando com um judeu, porque não nasci judia.

   Daí falamos sobre a II Guerra Mundial. Coincidentemente ou não, eu e Marie assistimos na semana o mesmo documentário Redescobrindo a Segunda Guerra, no History Channel. Concordamos que o cenário da Alemanha devastada na I Guerra, a arrogância francesa e os cérebros geniais do mal ao lado de Hitler foi o que fez o nazismo tomar a proporção que tomou. No início Hitler era considerado apenas um insano fanático (o que realmente era), na sua primeira tentativa de eleger-se conseguiu somente 2% dos votos, jornalistas debochavam dele em seus artigos. Foram necessários quase 20 anos para que o nazismo acontecesse realmente. Os jovens soldados fanáticos que começaram a seguir Hitler no ínico da década de 30 foram as crianças que cresceram com fome, na miséria e começavam a colocar a culpa nos franceses, logo em seguida, nos judeus.
    Percebi que Rebecca começava a falar mais baixo sobre esse assunto, ao seu lado estava sentado seu pai, um senhor de uns 90 anos, pequeno, loiro, rosado, bochechas vermelhas, olhos claros e brilhantes, um meio sorriso sempre no rosto, que ora falava de sua última viagem à Paris, ora de como amava o Brasil.
    Com a voz ainda mais baixa, contou que o pai é polonês, ainda muito jovem foi levado para Auschwitz, o pior dos piores campos de concentração do massacre judeu. Senti um certo torpor, senti muita emoção e não consegui expressar som algum. Então, como alguém que quer deixar um testemunho do horror da guerra, Rebecca narrou uma breve parte da história de sua família. 
    Seu pai e sua tia, com um bebê de meses nos braços, foram levados como animais empilhados, não sabiam para onde. Ouviam-se histórias, mas a crueldade nazista ainda era algo inimaginável para os dois jovens irmãos. Ao chegar foram analisados pelos oficiais da Gestapo, olharam seus dentes, seus braços e pernas. Por sorte eram fortes e saudáveis: "Esses dois podem ir para o campo de trabalho". A moça seguiu carregando o bebê. Mas para que precisariam de um bebê? Ele só tiraria a atenção da mãe. Arrancaram-lhe o bebê dos braços e na frente dos dois irmãos, o arremessaram como se fosse uma bola, contra a parede. O bebê morreu em minutos e a mãe nem pode abraçá-lo de novo para desperdir-se de seu corpinho já sem vida. Isso era a abertura do horror...
    Cada um foi para um lado. Ficaram sem notícias um do outro. Sofreram torturas e humilhações inenarráveis. Esse senhor sobreviveu, sem nada, só a roupa que tinha no corpo. Alguns judeus falaram sobre a comunidade no Brasil. Com ajuda mútua conseguiram mandá-lo para o País das oportunidades. Aqui foi acolhido por dois outros judeus. Quando conseguiu reerguer-se foi visitar a Polônia, lá ouviu que o nazismo foi horrível, porque não exterminou todos os judeus. Nunca mais ele falou uma palavra em polonês. Assim como eu, também não tolera a intolerância. E esse senhor estava ali,  na minha frente, tomando um delicioso vinho francês, falando da vida e de amenidades.
    Ao me despedir do grupo cumprimentei e beijei um por um, mas ao chegar nesse senhor, dei um abraço tão forte que ele, provavelmente, não entendeu. Tive mesmo vontade de chorar. Pensei que toda a tortura psicológica e emocional que passo há 7 anos, todas as privações com a minha filha, todas as minhas dívidas financeiras não são nada, absolutamente nada, diante do horror daquele campo de concentração. 
    Posso não ser tão forte, nem tão obstinada, muito menos ter tanta fé, mas sou demasiadamente humana, tanto nos erros, como nos sentimentos e, conhecendo um sobrevivente do Holocausto, um senhor lúcido, saudável, que recomeçou do zero, em outro País, com outra língua, apenas com a roupa do corpo e os braços e mente para trabalhar, senti que também posso recomeçar. Ainda tenho saúde, tenho uma filha que depende totalmente de mim, tenho inteligência, tenho muitos amigos e tenho respeito. De certa forma também sou uma sobrevivente e quanta sorte tenho, por conhecer sobreviventes muito mais fortes e resistentes do que eu.
   

9 comentários:

  1. Forte, arrebatador e de certa forma um resgate. Resgate de uma Adriana que aprendi a admirar. Nenhum velho doente e psicótico, nenhum pai [se é que esta palavra pode ser empregada no caso da minha sobrinha Dora]e nenhuma bruxa, com codinome "vó", poderá destruir ou mudar a certeza que todos nós e até mesmo eles têm: você sempre foi melhor que todos eles juntos. A Dora só existe por seu único e delicado amor. A dor desse senhor, a sua dor, são dores incomparáveis. Mas eu posso comparar o que essa família faz com a neta e filha com o que os nazistas fizeram parar separar milhares de famílias. São insanos e psicóticos como Hitler.

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    1. Fábio, eu não tinha feito essa analogia, mas sim, o que eles fazem pode ser comparado com o nazismo. Imagino que se Jonas Golfeto tivesse nascido na Alemanha nazista seria um dos mais temerosos agentes da Gestapo: frio, desumano, inexpressivo, com uma mente brilhante para a maldade! Pobre Dora presa naquele cárcere privado, sendo obrigada a conviver com pessoas que nada tem a ver com seu caráter generoso, sua bondade, seu carinho. Passando feriados na companhia da tia avó... sem crianças por perto, presa em cárcere privado. Não deve estar fazendo trabalhos forçados, mas é forçada a ficar longe da mãe, da irmã, dos amigos que teve a vida toda... tão pequena e com tanto sofrimento, que já expõe na internet e que eu consigo ver antes que seu pai ditador bloqueie. Mas está tudo salvo! Pena que os juízes de Ribeirão Preto parecem não ler nada do que eu coloco no processo, só não desisto porque sei que minha filha está sofrendo, nas fotos que tenho acesso está sempre com um meio sorriso e, invariavelmente, com olhos de quem chorou... tão triste tudo isso, mas ela, assim como esse sobrevivente, irá passar por tudo, e um dia iremos rir juntas, viver juntas e esquecer destes fantasmas!

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  2. Sim, uma grande verdade, um grande vencedor, é ótimo encontra pessoas assim!!!!

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    1. Sim, Roberta, isso nos faz valorizar ainda mais a vida e ver que sempre, sempre mesmo há algo pior do que a tormenta que vivemos!

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  3. Dri, ter perfilhado esse momento com vc foi muito prazeiroso e conhecer um sobrevivente de Auschwitz foi de uma emoção indescritível. Ouvir as histórias contadas por ele uma lição de vida que nos faz repensar a nossa própria vida e refletir sobre a mesma abrindo os nossos horizontes, fazendo a gente enxergá-lá sob uma nova ótica e perceber como não devemos reclamar diante de tudo que ouvimos. Outro dia postei no facebook se alguém tivesse um amigo a mais de dez anos que compartilhasse a postagem. Obrigado por ser minha amiga a 31 anos. Sendo assim vc eqüivale e 3 amigos de uma só vez. Beijos!!!

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    1. Querido, você faz tanto parte da minha vida que já não consigo enumerar todos os momentos importantes e marcantes que vivemos juntos. Todos os nossos amigos em comum, todas as nossas histórias. Você conviveu comigo e Dora quando ainda morava com o pai dela, você certamente lembra como ele sumia nos finais de semana para "jogar" tênis com a raquete que eu (sempre incentivando o esporte) dei pra ele! Claro que ele escolheu a raquete mais cara! Claro que ele não sabia jogar nada... e mais claro que era uma forma dele escapar de cuidar de Dora nos finais de semana, já que durante a semana tinha babá e eu ficava com ela todas as noites. Você é uma testemunha de que É Tudo Verdade Mesmo. Obrigada por valer por 3 amigos, obrigada por estar sempre comigo!

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  4. Eu quis dizer ter partilhado. Não sei de onde surgiu esse perfilhado. não fui eu que escrevi isso, foi o IPad.

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  5. Adriana, grande experiência esta sua a de encontrar pessoas que fizeram e viveram a história ainda que dolorosamente tempos atrás. A gente sempre aprende com os mais velhos. Mas pelo visto alguns "velhos" que se auto-intitulam "avós" continuam fazendo da história um recorrente nos dias de hj. O que esta família vem praticando com sua neta e sua filha Dora não deixa de ser uma retrospectiva dos tempos nos campos de concentração. Será que Auschivtz ainda persiste em Riberião Preto? Será que esta família tem em sua genética dna da suástica? Creio que sim, portanto daqui por diante, não mais Golfetos, mas sim Hitlerianos!#prontofalei.

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    1. Agradeço muito você e Fábio, mas já aviso que essa família doente pode querer processar vocês. Em setembro estive em Ribeirão Preto e dei uma entrevista para o jornal local Noticidades, do SBT. Me pediram para não falar nomes e não falei. Apenas o de Dora, que é minha filha, por mais que o pai zeloso tenha tentado tirar o meu poder familiar (tentou e tentou judicialmente). Pois não é que tentaram processar a TV? Acho mesmo que Jonas Golfeto está tão desocupado que não faz mais nada a não ser correr atrás de processos. Acho que é uma obcessão! A família de profissionais da saúde mental não consegue perceber a psicopatia na propria casa. Aliás, acho que é tudo uma questão de DNA, Jonas é ruim de pai e mãe. Ainda bem que Dora não está totalmente perdida, embora ache que o ambiente em que vive também pode influenciar, mas acredito que sua formação de carater já aconteceu e estou aliviada de ter vivido comigo na fase mais importante da sua infância. O proprio avô me mandou um email assim que ela foi levada daquela forma brutal, me agradecendo, dizendo que fiz um bom trabalho, que DOra era uma menina fantástica. Tenho o email, qualquer dia eu publico, para que todos vejam que o proprio avô reconhece a ótima mãe que sou. Bom, se Jonas tentar processar vocês, quem sabe ele dá um tempo na sua força em me manter afastada da minha filha, né? Obrigada amigos, não seria nada sem vocês!

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