quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A Menina Que Queria Ser Escritora

   Desde muito cedo já sabia o que queria ser: escritora. Ao começar ler e escrever vislumbrei o mundo mágico das palavras, suas formas, nuances e circunstâncias. Escrevia como falava e falava como pensava. Logo percebi que meus escritos materializavam meus pensamentos, então escrever tornou-se a forma mais prática e sincera de declarar minha amizade, meu amor, minhas desculpas... porque a fala pode sair alterada, embargada, mas a escrita é cadenciada, pensada, ponderada.
    Com 9 anos descobri a poesia e que sabia escrevê-la. Poesia não existe sem música, que não existe sem poesia. Daí começou a paixão pela  música. Também percebia que quanto mais triste estava, mais escrevia. Não havia muita tristeza na minha infância, talvez ser a única pessoa que conhecesse sem irmãos. Sempre quis ter um irmão. Mas sempre tive muitos amigos e primos, o que compensava um pouco. Em casa era eu, meus cadernos e canetas. Então lia e escrevia até dormir...
    Sempre senti um vazio imenso, desde muito nova, a falta de algo que não sabia o que era. Por meus pais as influências eram distintas: minha mãe esperava uma filha prendada, que lhe encheria de netos, meu pai ansiava por uma filha bem-sucedida, independente, livre. O maior problema de ser filha única é a imensa expectativa dos dois lados. Segui  mais as expectativas de meu pai, apesar de não ser exatamente a profissional que ele sonhava (engenheira), para minha mãe eu dizia que se quisesse tantos netos, deveria ter tido mais filhos.
    Realista desde sempre, constatei aos 13 anos que ser escritora, viver disso, era algo inviável. Que faculdade eu faria? Então, ao ler revistas, jornais, publicações independentes, descobri que o jornalismo era o que mais se aproximava de literatura. Não escreveria o que pensava, mas escreveria os fatos, do meu jeito. Segui decidida até o vestibular, nunca tive dúvidas do que queria ser. Continuava escrevendo poesias e diários e tomando para mim as dores do mundo. Sofria por famintos, por desabrigados, por torturados... até que comecei a sofrer por perdas pessoais. A primeira foi uma amiga de 13 anos, Ana Cristina, que nadava comigo, era da minha classe e também do Centro Cívico da escola, em que eu era tesoureira. Loira, alta, forte e de óculos fundo de garrafa, tinha um senso de humor incrível! Ficávamos juntas na diretoria preparando eventos, conversando com diretor e professores. Tenho uma foto linda com ela, nós duas com 8 anos, na beira da piscina, de maiô, dançando valsa. Essa amiga levou um tiro na cabeça, do namorado adolescente da irmã mais velha... ficou em coma 3 dias e morreu. A irmã mais velha? Enlouqueceu por um tempo. Eu? Percebi que o mundo não era um lugar seguro.
    Com 15 anos fui no enterro do amigo Alemão do Tombo, um surfista profissional de 23 anos, que morreu de aneurisma no mar, enquanto surfava. Então tive certeza da fragilidade da vida. Quando eu tinha 16, outro amigo querido foi baleado,  voltava de bicicleta para casa, um assaltante levou seus tênis, após lhe dar um tiro na barriga, com balas de chumbinho. Ademar Adelson Pereira dos Santos, ótimo aluno, nadador e vocalista de uma banda, tinha 19 anos... e seu enterro foi de música e lágrimas. Escrevi sobre os três e sobre muitos outros amigos que se foram tão jovens. Mais do que a perda, escrevia sobre suas breves e marcantes passagens. Sobre a sorte de ter participado, mesmo que por tão pouco tempo, da trajetória dessas pessoas tão queridas, tão especiais.
    As perdas não pararam por aí, algumas, não todas, já escrevi por aqui. Talvez esses fatos me tenham tornado uma pessoa mais visceral, sem tempo para desajustes, com uma pressa quase doentia de resolver tudo rápido. O jornalismo me pegou por isso, por essa agilidade, ver meu trabalho pronto no mesmo instante. Não queria escrever apenas sobre problemas, queria soluções.
    Também convivi com muitos amigos portadores de doenças crônicas: diabetes, HIV, câncer, esclerose múltipla. Nunca fui de ignorar nada, meu jeito de ajudar sempre foi buscando informação, divulgando-as. Com 13 anos a diabetes para mim era apenas um problema de alguém que não podia comer açúcar. Até que fui dormir na casa de uma nadadora,  portadora da doença. Antes de dormir ela pegou uma injeção de insulina e aplicou-se. Com 13 anos! Passei mal porque sempre tive problemas com agulhas e me achei uma idiota, naquela situação os pais dela tendo de se preocupar comigo! Essa era a rotina dela, uma garota divertidíssima e com 2 irmãos nadadores lindos! Fiz até teste de glicemia e descobri que era hipoglicêmica. Medicina preventiva sempre foi e continuará sendo a mais eficaz.
    Quando o tio das minhas melhores amigas morreu de AIDS em 1989, saí correndo atrás de todas as informações sobre essa doença cravada de preconceito. Não consigo contar quantos amigos e familiares de amigos já tiveram câncer, de quase todos os tipos. A vida é miserável? Não, ela apenas mostra o tempo todo que é frágil, delicada e que odiar, brigar e ficar mal por pouco é perdê-la.
    Nunca julguei que sou um imã de pessoas que morrem cedo, tem doenças graves, perdem membros, são cadeirantes. Penso que sou uma pessoa que tem amigos demais, que adora conhecer gente, de saber suas histórias e participar delas. Penso que quanto mais gente eu conheço, mais amor recebo e dou. E que se essas pessoas passarem por provas duras e árduas, estarei lá, sempre que puder e até quando não puder. Isso não é um fardo, é uma dádiva! Ver a superação, a grandiosidade de algumas pessoas, fazer parte dessas histórias e poder contá-las é uma honra, um privilégio para mim.

     O tal vazio que sentia na infância foi preenchido quando me tornei mãe. De alguma forma passaria minha visão do mundo, meus pensamentos, meus exemplos para alguém que, se fosse uma pessoa melhor, já faria um mundo melhor. Vi muita miséria, muita dor, como jornalista vi velhinhos abandonados em asilos, crianças morrendo por falta de leito, morrendo no leito. Mas nunca pensei que seria assolada pela maior de todas as misérias: a falta de amor. Mas também não sou única nessa batalha, quantas mães sofrem como eu? Conheço tantas que já criamos um grupo de apoio virtual e escreverei sobre isso em outra ocasião, porque hoje já chorei demais.
     Na época em que minha infância era poesia com música, essa era uma das minhas canções preferidas. Foi assim que comecei no meu inglês, cantava as músicas, lendo as letras. Mas precisava saber o que cantava e pedi um dicionário para o meu pai. Com música e poesia, afastava a solidão.
    

6 comentários:

  1. Dri,
    nadar (segue nadando, né?) está fazendo muito bem a seus artigos.Imagino que a todo o resto também.
    u my sister!!

    w/love

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. My brother, escrever é um exercício, assim como nadar... todo o resto... indo...

      I love you

      Excluir
  2. Oi Dri, td bem?
    Eventualemte venho ao seu blog. Hoje li o post de 11/10 sobre sua infancia e confesso fui viajando no texto talentosamente escrito e de repente revivi momentos que a vida até tinha me feito esquecer. Como os acontecimentos com a Ana e o Ademar. Fui ficando com o coração apertado pois me veio claramente aqueles dias terriveis, os enterros, tantos jovens abalados, sem chão, enfim...triste. Lembrei-me do retorno as aulas após o acontecido com a Ana e algum professor mal informado a chama-la na lista de presença e o silencio instalado na sala de aula. No caso do Ademar, passar no mesmo local do fato ao ir estudar no Primeiro de Maio e o receio de ver ainda algum vestigio de sangue na rua e sofrer ainda mais...enfim, cruel. Mas na tentativa de tirar o nó da garganta tambem lembrei dos risos largos da turma, das musicas da banda pepino som do Ademar, Betinho e cia, da linda Adriana, nadadora, miss, falante rsrs e que um dia comentava empolgada ter ligado várias vezes em uma rádio pra pedir a musica "dia branco" e rindo pois a turma da nossa idade nem sabia que musica era essa rsrs. Enfim, a vida é asim mesmo. Alegrias, tristezas, tristezas, alegrias, recordações...Bjs e tudo de melhor pra você sempre!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Claudia querida, você me fez lembrar algo que eu já tinha esquecido, da mania de ligar "trocentas" vezes pedindo música que nem era nova, só pra poder ouvir, os radialistas já atendiam assim: Dri, vc de novo? Acho que eu já queria ser jornalista - rsrs. Isso que nós e toda aquela turma passamos tão novos acho que fez valorizar mais a vida, falar mais o que sentimos, demonstrar mais o amor, tentar resolver tudo rápido porque soubemos muito jovens sobre a fragilidade da vida... lembro muito de você e do Marcelo, das nossas disputas pra ver quem tirava nova mais alta - rsrs. De como eu não gostava de matemática e como sua irmã, uma excelente professora de exatas, me fez ver os cálculos com outros olhos. Saudades, sempre saudades, que bom te ver por aqui e nas nossas mensagens também. Obrigada por ler e partilhar uma parte tão importante da minha vida... ai, me deu vontade de chorar... bj

      Excluir
  3. Adriana, tudo bem? Você morou em Vicente de Carvalho? Eu sou amiga do Ademar Adelson. Estudou comigo e nadávamos no Napoleão Laureano. Competimos muito no Tejereba e em Santos. Puxa vida, teu texto me fez bater uma saudade enorme desses tempos! Sucesso sempre!

    ResponderExcluir