domingo, 27 de outubro de 2013

O Tal Amor Lúdico

     Uma amiga* me escreveu, dia desses, que o amor é convivência, então, se não convivemos com a pessoa, o amor vai diminuindo até não existir mais. Achei tão triste isso, embora faça total sentido. Prefiro pensar que o amor fica guardado em algum lugar do corpo, para evitar sofrimento. Achei tão triste porque não convivo com minha filha e deixei de conviver com pessoas que amo, para sempre. A verdade é que o tempo e a distância fazem doer menos mesmo, a saudade dói menos, a lembrança vem menos, você pensa na pessoa no pretérito perfeito, quando muito, no pretérito do futuro.
     Mas, como minha filha escreveu numa das últimas (e poucas) vezes que me escreve, já sabe o quanto eu sofro e só quer saber de coisas legais. Falo de livros, de filmes, de viagens, de travessuras da irmã mais nova, pergunto sobre provas da escola, apresentações de balé que desejo ver, sobre seus passeios, mas talvez nada disse seja legal... e por isso  tento escrever sobre o amor. 
     Não sei se o amor é tão legal, na maioria das vezes faz sofrer. Mas sem amor a vida não teria sentido. O amor inspira a ser melhor, o amor é sublimado em música e literatura. O amor é minha única fé, só acredito no amor e em tudo que é feito com e por amor. O mundo está tão individualista, mas  parece que ninguém entende que esse tipo de comportamento não tem dado certo. Tenho escutado de alguns amigos que preciso me amar mais e acima de tudo e em primeiro lugar. Isso me soa tão egocêntrico. Dizem que só assim terei o amor dos outros. Isso me soa tão barganha, mercadoria. Claro que me amo e adoraria me ter como amiga, mãe, filha, namorada. Sou boa em tudo que faço, mesmo quando erro, porque só faço com amor. Mas não posso me amar mais do que tudo. Amo coletivamente, sempre fui assim. E me interesso apaixonadamente por pessoas, obras, lugares. Fico obcessiva até absorver tudo pelo que me apaixono... e então, eu amo.
   Ouço exaustivamente minhas bandas preferidas, leio os autores que amo com paixão, choro com interpretações brilhantes e brigo pela causa dos outros, como se fossem minhas porque, na verdade, são. E sinto tanta falta das conversas em mesa de bar, porque agora as pessoas ficam olhando o celular a cada 2 minutos, só pra checar se chegou mensagem. Estão sempre interessadas nos que não estão. Isso cria uma espécie de angústia e ansiedade coletivas. E também tem gerado um novo tipo de amor e paixão. O tal do amor idealizado, lúdico.
     Algumas pessoas me escrevem apaixonadas por mim, pelo que escrevo, pelas histórias que conto. Meio que me idealizam. Não sei como assimilam o que escrevo, porque tudo depende do estado de espírito. Pode soar genial, lugar comum, cansativo, inovador. Mas meu objetivo ao escrever é atingir o leitor, seja como for, só isso faz sentido na literatura ou na escrita informativa. Não escrevo só para mim, para desabafar, para receber elogios ou críticas, escrevo por amor, porque amo escrever. Talvez por isso algumas reações apaixonadas. Mas daí, quando me conhecem de verdade, me tocam, me olham nos olhos, some toda aquela idealização romântica. Porque sou uma pessoa extremamente comum, com fatos inusitados na vida. Será que sou uma fraude? Propaganda enganosa?
      O mundo virtual é muito propenso aos amores platônicos e lúdicos. Talvez alguns devessem ficar só no virtual, isso evitaria muitos desencontros, decepções e sofrimento. Mas que graça teria a vida sem o contato humano? Como mover o mundo sem amor verdadeiro? 
        
       Ontem assisti uma peça, Odisseia (Grupo Estúdio da Cena), no Sesc Santos. É uma versão contemporânea da saga de Odisseu, retratada no clássico Odisseia, de Homero. Entrei atrasada, sem saber ao certo o que iria ver, não sentei ao lado dos amigos Marcelo Santos, Marcia Abad e seu filho Dionísio, de 15 anos, que me esperaram até o quando deu. Chegar após o início da peça já é falta de respeito, atrapalhar é vandalismo. Então fiquei no canto, onde não incomodei ninguém e nem perceberam minha presença. Gostei do cenário e figurino, primeira impressão. Daí fui gostando dos atores, das analogias, do texto, ora cômico, ora trágico. Me envolvi totalmente com a história, a entrega dos atores. Nem percebi que alguns idosos saíram quando foram mostrados peitos. A nudez nunca deveria chocar, ainda mais quando é totalmente dentro do contexto. Por alguns instantes eu amei alguns atores, o tal amor lúdico. 
       Na saída, os mais diversos comentários, de gente que não entendeu nada e admitia isso aos que, assim como eu, gostaram muito, principalmente por colocar no século 21, personagens escritos há quase 3 mil anos. Odisseu, após 20 anos na guerra, volta para casa e depara-se com uma sociedade totalmente individualista e corroída, constata a fragilidade das relações pessoais. Sua mulher o esperou, mas construiu um império, baseado em seu heroísmo inventado. O filho perdeu-se no crack. O pai o resgata, o pai causa efeitos no público. 
        Daí amei ainda mais o Odisseu moderno, um amor totalmente lúdico.
     
* A amiga é a grande Cristina Dalto de Moraes, que nem imagina o quanto é boa filósofa! Como era bom filosofar com ela antes dos smartphones!

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