domingo, 6 de outubro de 2013

Prefiro o Barulho do Mar*

    Conheci o rapaz por intermédio de um amigo. Falemos do amigo primeiro. João Carlos Gomes* estudava com Célia Payão, minha amiga e parceira, e estavam fazendo um curta-metragem para o encerramento da pós-graduação em Comunicação na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em 1994. A atriz, protagonista de 3 histórias, adaptadas de contos de Luís Fernando Veríssimo, não poderia mais fazer. Então Célia teve a brilhante ideia de me convidar. Tinha as características físicas necessárias, boa voz, conhecimento corporal e cara de pau. Era repórter no jornal Folha da Tarde, naquele esquema de trabalhar um final de semana, folga outro, então eram 12 dias de labuta, para 2 de folga. Isso mesmo, é assim que a maioria dos jornalistas trabalha.
    No meu final de semana de folga encontrei Celya (produtora) e João (diretor) na faculdade, para fazer a cena da garota bonita, burra e desmiolada, que é parada na rua por um pesquisador. O ator faltou e João assumiu o papel. Ele simplesmente arrasou como o cara de saco cheio, tendo que aguentar alguém que fica deslumbrada com uma entrevista de rua. Mas a moça queria ser celebridade. A moça era eu, que também atuei muito bem. Tudo fluiu perfeitamente e acabei participando da trilha sonora do curta, dei um jeito de colocar umas introduções dos Pixies nas cenas. Ficou demais!
    Em outro dia de gravação, a personagem estava encostada em um carro com pneu furado. Um rapaz tímido e educado, troca o pneu embaixo de chuva (não estava no roteiro, mas chover naquele momento foi providencial). O ator era Osvaldo Gonçalves Jr, meu primo, que estava em São Paulo, passando um final de semana comigo e eu, com terceiras intenções, o levei para gravar. Foi um trabalho não remunerado, porém de aprendizado e divertimento. Coloquei essa introdução do Pixies para quando o rapaz tímido avista a moça bonita http://youtu.be/CJZXVg6EguU
     A terceira e última cena, a da praia, foi gravada numa represa, embora eu tivesse insistido para todos irem passar o dia no Guarujá, unindo sempre o útil ao agradável. Nessa a Paulinha Soares também foi, para curtir o dia e dar uma força na produção. Não lembro o nome do ator que contracenei. Lembro do João dando ordens como diretor. Fui alguns dias ver Célia e João editarem o material e fiquei contente com o resultado final, parece que os professores e o pessoal que assistiu também. Alguns quiseram saber de onde era a atriz, que na verdade era jornalista. Depois disso perdi o contato com o João. A Célia também foi perdendo.
      
     Seis anos depois, estava em um evento para artistas, como jornalista do Sebrae- SP, procurando alguns famosos para entrevistar e vejo João. Estava igual, elegante e sorridente. Perguntei o que fazia ali e respondeu que deu tão certo o tal curta que havia se tornado ator, mas sem largar a Publicidade, trabalhava também na comunicação do Teatro Alpha. Trocamos contato, adoramos nos rever. João disse que no final de semana seguinte faria umas cenas para um curta digital e se não me interessaria em ir também, ajudar na iluminação ou em qualquer coisa. Claro que quis, estaria de folga e era o início da era digital. João seria só ator e o diretor também dividia o apartamento com ele, "um garoto mimado do interior, que o pai dá tudo o que quer, mas que tem muito talento", disse em seu tom brincalhão, que confunde o que é sério e o que é graça. Aceitei que me buscasse às 6h30 da manhã para seguirmos até a casa da avó de outra atriz, Roseane Reis. Lá seriam gravadas as cenas. Foi assim que conheci o tal rapaz, ator/diretor iniciante.
     Considerei o roteiro meio confuso, muito conceitual e não linear, com pouco tempo hábil para o desenvolver das cenas. Mas no geral, o dia, as pessoas, o trabalho, achei interessante, rendeu. Voltei no dia seguinte, afinal precisavam de mim para segurar refletor, paus, cortinas. Depois saímos todos para tomar alguns chops e brindar o encerramento das gravações. Trocamos emails e telefones. Não lembro de ter trocado olhares ou sorrisos que indicassem mais do que amizade.
       O rapaz me escreveu no dia seguinte, pedindo contatos. Como esse era meu trabalho (fazer elos, passar informações, agitar o mercado cultural), passei tudo e mais um pouco do material pedido. Agradeceu minutos depois, por telefone. Respondi que era meu trabalho, que fazia por prazer. Me convidou para sair, em algum lugar da Vila Madalena. Aceitei, mas fiquei em dúvida, por isso liguei para minha amiga de sempre e que dividia o apartamento comigo, Fernanda Robles, se poderia nos encontrar no Restaurante Soteropolitano. 
   "- Dri, mas se você não quiser ficar com o cara, não fica, não sabe dizer não?"
   "- Fer, depois de beber tudo fica muito mais interessante".
   Minha amiga fiel foi, toda linda, bióloga, bailarina, falante e irrequieta. Comemos, bebemos e rimos muito. Os sinais vieram quando ele falava colocando a mão em minha perna, prestava mais atenção em mim do que em Fernanda (linda, falante, inteligente). Sim, o cara estava interessado na minha pessoa. Eu gostava de conversar com ele e ser admirada, mas não sentia uma atração irresistível. Sou do tipo apaixonada, preciso do magnetismo. Nos despedimos e voltei para a casa com a Fernanda, que já namorava Sérgio Galvani**, com quem hoje é casada e tem três filhos lindos. 
   "- Dri, ele é legal, mas é meio esquisito" e riu daquele jeito que fecha os olhos.
   Mas o rapaz insistiu e me ligou para um convite irrecusável: assistir Preferisco Il Rumore Del Mare (Itália/2000), no Cine Sesc, da rua  Augusta. Filme lindo, sensível, delicado e profundo, me identifiquei com os personagens que eram antagônicos, um não saía do eixo e gostava da solidão, o outro era carente de afeto e rebelde. Saímos falando sobre o filme e fomos direto para um bar. 
   Bebi muito, muito mesmo, fiquei embriagada e ainda na esquina da rua Augusta com a Paulista começamos a nos beijar. Enquanto esperávamos o táxi, continuamos andando e nos beijando, talvez porque já tivéssemos falado demais, talvez porque o álcool tivesse diminuído os reflexos, a rapidez dos pensamentos e da fala. A verdade é que foi cinematográfico e poderia ter sido uma das noites mais lindas da minha vida (inesquecível é), se tivesse parado por aí. Mas o rapaz me pediu em namoro! Eu tinha 30 anos e acho que há quase 15 ninguém mais me pedia em namoro... os relacionamentos são assim, quando você percebe, está namorando. Achei tudo tão perfeito! Aceitei! "Se não der certo, termina, quantos namoros apaixonados já haviam terminado de boa? Quantos amigos ex-namorados eu tinha? Todos!"
     

    Um ano e quatro meses depois nascia minha primeira filha. A minha transformação foi imensa, meus valores mudaram, o sentido da vida mudou. Saí da avenida Paulista e fui morar numa vila de pescadores, em Boiçucanga, porque eu preferia o barulho do mar. Ainda prefiro. Nos meus momentos de reclusão, como o garoto do filme, converso comigo e conto histórias para mim. Sou uma amiga que gostaria de ter. 
    Penso em momentos que mudaram tudo. Esse dia na Paulista foi um. Hoje percebo que foi fácil me envolver com alguém tão diferente, porque algumas coisas em comum nos uniram. A superfície pode ser alterada, maquiada, mas o íntimo não. Foi fácil conquistar uma mulher da praia, que adora cinema europeu, após assistir Prefiro o Barulho do Mar. Mais fácil ainda após beber demais.
     Tiro lições de tudo, mesmo que repita o erro por teimosia ou burrice. Nunca devemos iniciar um relacionamento sob o efeito do álcool, ele deixa as pessoas, as festas e os lugares mais interessantes. Por isso é bom esperar o dia seguinte para tomar uma decisão mais séria. Já tinha aprendido isso nos livros que li do Charles Bukoswi****, mas sou muito empírica.
        Tento não me arrepender desse dia e não esquecê-lo, porque foi bonito e porque não vou mais beber tanto assim. Não com um homem pelo qual não esteja apaixonada. Tento imaginar que minha filha foi concebida nesse dia, com paixão, com esperança e em película.



* Prefiro o Barulho do Mar (2000/Itália). Direção: Mimmo Calopresti, com Silvio Orlando, Michele Raso, Paolo Cirio, Mimmo Calopresti.

** Perdi o contato com o João, já pedi para ele me adicionar no facebook, mas talvez ainda não tenha visto ou então foi tomado pela parcialidade. Gostaria que esse texto chegasse até ele. Sempre admirei sua inteligência e humor, sempre o recebi de braços abertos em minha casa, tenho várias fotos dele com minha filhinha bebê. Sou imensamente grata por todos os convites para assistir peças e espetáculos de dança no Teatro Alpha. Fiquei muito feliz quando começou a dar aulas em Mato Grosso. João Carlos Gomes tem muito o que ensinar. Mas mais do que tudo isso, queria muito essas imagens do curta, porque a Célia não tem e meu primo Jr nunca viu o trabalho dele, que ficou ótimo.

*** Conheci Sérgio Galvani há quase 20 anos, quando começou a namorar a Fernanda. Esse casal nem sabe, mas a história deles me faz acreditar no amor.

**** Bukowski é um autor contemporâneo, tipo maldito. Li vários de seus livros no início dos anos 90, sobre submundo, álcool, sexo, vazio, filosofia. Uma delícia ler seus textos, embora o tema seja sempre o mesmo. Mas é um jeito de entender porque a genialidade enlouquece as pessoas. Talvez o escritor bebesse tanto para tornar tudo mais interessante. Os poemas do Bukowski são maravilhosos.

4 comentários:

  1. ai João... acho que vc deveria preferir o barulho do mar tb...

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    1. Entre a Paulista e o mar, eu prefiro mesmo o barulho do mar...

      Dri+Sof+Manu= amor

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  2. bebida, filmes películas, lindo cenário... lindo fruto concebido... amor imenso! mas concordo com Fer, rsrsrrs... nas poucas vezes que o vi... achei ele estranho!!! e num é que acertamos desta vez... Fer e Galvas nos dão aquele alívio...ufffffffffff existe!!! são poucos... talvez seja pra poucos mesmo...

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    1. Juli, estou rindo com seu comentário, imaginando seu tom de voz... sim, vocês acertaram em cheio! Fer e Galvas dão esperança aos nossos corações partidos, mas sempre consertados em busca do novo.

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