segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Dançando no Escuro*

    Gosto muito de trilogias. Como os dois últimos textos são títulos de filmes, pensei em algum especial, que tenha me tocado profundamente. A experiência cinematográfica depende de vários fatores, o filme pode ser perfeito, mas se você não está num bom dia pode não gostar tanto. Outro nem tão bom, mas em boa companhia pode agradar mais. Tem a falta de companhia, o frio, calor, fome. Esse filme já começou especial. Fomos eu e Fábio, Flavia e Lois, Fernanda e Galvani numa sessão concorrida, assistir o filme de Lars Von Trier, estrelado por Bjök. Todos gostavam muito deste diretor e desta cantora. Amigos singulares, eu sei.
    A fila era grande e os seis muito falantes, gesticulando, alegres. Quando a sessão termina saem pessoas em lágrimas, de olhos vermelhos, com cara de tragédia. "- Gente, tô com medo!", brincou Fernanda. Pelo sim, pelo não fui até o banheiro buscar papel para assoar o nariz. Abri a porta e algumas mulheres em silêncio sepulcral, a sem noção aqui ainda quis fazer gracinha:"- Nossa, o filme deve ser pesado", mas uma delas rompe o clima com lágrimas e soluços. Daí fiquei com medo também!
    Ainda avisei que dava tempo da gente sair e vender nossos ingressos. Tinha muita gente do lado de fora. Mas não, o Lois insistiu, porque é cadeirante e não era qualquer sala com acessibilidade (inclusive por e com Lois entrei na causa da inclusão pelo acesso). Não tinha mais saída. Seria uma viagem para a sétima arte. Com volta duvidosa.

     Björk está perfeita como Selma, a mãe amorosa, a alma inocente. A operária que ama cinema e dança e cria musicais para fugir da dura realidade. Qualquer som é capaz de transformar-se em música. Eu não tinha filha na época, mas o mais tocante do filme era a devoção desta mãe, os sacrifícios feitos pelo filho, seu amor supremo. A trilha sonora também é da artista, que resulta no divino SelmaSongs. Quase impossível acreditar que Björk nunca tenha feito antes qualquer trabalho como atriz. Talvez Catherine Deneuve tenha colaborado nas cenas mais pesadas, a musa é a coadjuvante generosa, assim como sua personagem, amiga fiel de Björk.
      No decorrer da história, correm também as lágrimas. Mas o filme não quer te fazer chorar. O fato dela ter uma doença hereditária degenerativa e estar ficando cega não é um fardo. Selma escapa da escuridão com sua mente fértil, com as cores e coreografias que cria na volta para casa. Sua imaginação não tem limites. Essa beleza que emociona. Resignada com sua situação, a mãe só quer o bem do filho. Economiza tudo o que pode para pagar a cirurgia dele. 
     Você fica apaixonado por aquela figura doce, pela beleza da atriz, suas sutilezas. Torce por ela! Mas a moça é roubada e tudo se vira contra, sendo ela a criminosa. Mentiras, trapaças, injustiças. A indignação toma conta e surgem lágrimas de revolta, por não poder mudar nada. O sistema é assim. A injustiça dói mais que a morte. Quando o filme termina, todos estão estarrecidos, resta escuridão e silêncio. E papel para secar as lágrimas.

     Ainda tive coragem de assistir esse filme mais uma vez, em DVD, em 2001, com minha mãe, quando estava no meu repouso absoluto, na primeira gestação. Chorei bem menos, mas me senti ainda mais ligada na personagem, porque eu já me sentia mãe, existia uma vida dentro de mim, que eu tanto amava. O filme fala de resignação e coragem, tudo o que eu precisava para manter minha imobilidade e parir no tempo certo. Não podia dançar, nadar, trabalhar, nem andar, mas por tempo determinado. Isso acabaria. Assim que minha filha nascesse eu poderia voltar a fazer tudo que sempre fiz. E com ela junto!
      Só não sabia, que anos depois, mais similaridades apareceriam. Não tenho a inocência, nem humildade da operária, talvez por isso pensasse que nada parecido pudesse acontecer comigo. Um tipo de arrogância. Supunha que ninguém é tão ingênuo para cair numa trama assim. Mas quase todos são culpados até que se prove o contrário. Como Selma, tenho meus momentos de transe, quando consigo esquecer um pouco da realidade, entrando em outra vibração. De um mundo mais justo e com mais amor.


*Filme do dinamarquês Lars Von Trier (2000), completa a trilogia que incluis Ondas do Destino e Os Idiotas. Com Björk, Catherine Deneuve, Vladica Kostic e David Morse. 
 Thriller do filme: http://youtu.be/cM7FyvdkbZw 

2 comentários:

  1. Aquele dia não sai da minha cabeça, assim como as horas após o filme: todos em silêncio, voltando pro nosso lindo ap no Ana Rosa. Lembro do dia anterior, na cozinha, tomando café e a Fernanda perguntando se tb estávamos sentido o mesmo com ela e só senti vontade de chorar e gritar na janela. Mais um texto para reforçar o seu talento e a sua coerência. As injustiças dos dois sistemas podem sim serem comparadas. E devem. Assim como a luta que muitas mães e pais travam pelos seus filhos. Vc, a Selma, meu irmão, são exemplos de lutas com fim diferentes, porém tristes e injustos. Ainda bem que a sua escrita existe para poder perpetuar essas e outras coisas. Hoje vc me fez chorar. Te amo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não queria te fazer chorar... essa vontade de chorar e gritar na janela tenho todos os dias. Esse filme me tocou tanto pela maternidade, pela injustiça... há 13 anos...e quem diria que seria tão parecido? Ainda bem que as amizades não mudaram nesses anos, só fortaleceram. Amo você!

      Excluir