quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Feliz no Rito de Passagem

    Sei que não deveria escrever isso por aqui, mas escrevo mesmo assim. Sei que a outra parte vai adorar ler tudo isso e levar para o processo. Tudo bem, sei reconhecer uma derrota. Perdi minha filha para a Justiça, para os avós, para o novo mundo dela, do qual não faço parte. Estou velha para o mercado de trabalho, decadente e saturado, dificilmente conseguirei emprego decente como jornalista. Afinal é só dar uma busca no google e logo será encontrado a edição feita pela outra parte, que piora o que já era horrível. "Pô, saiu na Globo, então é verdade! Essa mulher é uma louca, sequestradora!". Não tenho mais credibilidade nenhuma.
    Nunca entendi tanto ódio! Certa vez já estávamos separados e ele me chamou de escrota porque pedi para ficar com Dora. Eu só queria sair com um amigo para conversar. Ficou 3 meses sem ir ver a filha depois disso. Mesmo assim o mantive como dependente no meu plano de saúde Sul-América Top, embora vários amigos tenham dito que eu era boazinha demais. "Não, ele é um babaca, mas é o pai da minha filha e se sofrer um acidente na estrada quero que tenha helicóptero para socorrê-lo e o melhor atendimento".
     Estou muito deprimida, muito mesmo. Tenho um monte de amigo otimista dizendo que não posso ficar assim, tenho outra filha para criar sozinha... e isso me deprime mais ainda! Tenho outra filha para cuidar totalmente sozinha e não estou acertando nesse trabalho. Luz no fim do túnel? Pode ser um caminhão na contramão. Ontem fiquei conversando pelo computador com a Simone Raia: "Dri faz isso, faz aquilo". Não conversamos há tanto tempo que ela não sabia de várias coisas ruins que aconteceram. Me sinto chata e repetitiva. Acho que só a Marcia Abad sabe como foram meus últimos 3 anos. Acho que só ela entende realmente o que sinto e o que tenho enfrentado, porque tem sido a pessoa mais próxima de mim nesse período obscuro que não clareia nunca. Olha que eu tento, mas ninguém vê o tanto que eu tento.
      Minha mãe, com quem sempre discordo, mas não me imagino sem, levou a Miranda ontem para a casa dela, atendendo meu pedido confuso. Miranda me deixa exausta, mas me ocupa e me faz rir e adora qualquer vitamina ou arroz sem sal que eu faça. Porém me sentia mesmo aniquilada, querendo assistir Roma e não Peter Pan. Elas foram, mas não conseguia me concentrar em nada e comecei ver a imensidão de fotos que tenho guardadas. Iniciei essa função desde que reencontrei uma irmãzinha da infância, a Pimentinha. Prometi que lhe mostraria todas as nossas fotos, de maiô adidas e tudo. Mas a Regina Pimentinha é uma história que merece um texto, um livro só para ela. Estou até agora mergulhada num mar de fotos, espalhadas pela casa.
      A fotografia sempre fez parte de mim. Quando eu nasci meus pais não tinham onde morar, cada um morava com suas famílias, e moramos por meses no estúdio fotográfico dele, no centro de Santos. Não tenham dó imaginando um bebê pobrezinho, acho essa história muito singular. Quando minha mãe descobriu que estava grávida meu pai estava viajando. Não eram casados, ele só voltou 3 meses depois. Casaram-se no civil quando eu já era um feto de 4 meses. Apesar do namoro longo e da idade dos dois (Laura 34, Abel 32) ainda não tinham nada programado. Então nasci assim, numa véspera de final de Copa do Mundo, sem saber direito para onde ia. Vai ver por isso sou tão nômade. Meu pai sempre fotografava tudo e quando eu tinha uns 7 anos já me deixava fotografá-lo, pois nunca tinha foto dele em lugar nenhum. As fotos mais lindas dele são minhas. E eu era sua modelo favorita, uma das vantagens de ser filha única. Talvez por isso eu saia tão bem nas fotos, já sei meu melhor ângulo, sorriso...
     E quanto mais eu via as fotos mais lembrava de como era feliz e como poderia continuar sendo. Mas minha felicidade não depende mais de mim, não nesse momento, não nos últimos anos. O que fazer para ser feliz? Tentei encontrar naqueles momentos eternizados alguma resposta. Ainda estou tentando. Me vi atleta nas fotos de natação e o medo que tomou conta de mim quando parei de nadar e mudei para Ribeirão Preto. Tinha tantos amigos no colégio e nas piscinas, será que nos afastaríamos? Será que eu seria aceita em outros grupos? Com apenas 17 anos mudei para a cidade que chamo, carinhosamente, de Sucursal do Inferno, porque lá faz 30C no inverno. Tudo bem que fui para a casa do Paulo Miorim, amigo de meu pai e pai da Paola, Marcelo e Rodrigo, meus amigos desde sempre. A ideia, acho, era ver se me comportava bem até poder mudar para uma República. Parece que deu tudo certo, em alguns meses já estava procurando uma para dividir.
     Lembro exatamente do dia que vi uma garota baixinha, de cabelos cacheados e sorriso imenso perguntar: "Alguém sabe quem queira dividir um apartamento?". Eu! E fui me apresentar. Era a Giselle Bastos, de Campinas, que já dividia um apê de um único quarto com a Soraya Caldana, outra campineira. Essas duas foram muito importantes para mim, inclusive na minha mudança de estilo. Tinha acabado de parar de nadar e minhas roupas eram camisetas, moletons, tênis, minissaia, bermudas e poucos vestidos.
    A Gigi, estudante de Publicidade, era gerente da Ellus e a Soraya, da Alcachofra, logo fiquei linda e moderna e bem vestida, embora nunca tenha ligado muito para isso. Para completar chegou mais uma, Helena Couto. Formada em Física pela Unicamp estava meio perdida, vendo sua genialidade ser pouco aproveitada no mundo prático. Foi também trabalhar numa loja, a Zeppellin, daí eu tinha os sapatos e botas mais modernos da época. Heleninha era uma figura, acordava de mau humor, mas ia melhorando até o final do dia e acabava sempre com risadas e euforia. Tenho histórias impublicáveis sobre ela. Como eu só tinha 18 anos e as meninas entre 23 e 25, me achavam muito criança para participar de certos assuntos. Aos poucos viram que eu tinha um pouco de maturidade e experiência (não tanto quanto elas, claro).
     Fiz muitos amigos em Ribeirão Preto que trago comigo até hoje: Gustavo Liedtke, meu confidente, que me faz rir e chorar e sabe tanto de mim há tanto tempo. Fábio Diegues, que é santista, mas que fui conhecer lá na Sucursal do Inferno. Cristina Dalto, que eternizou nossa amizade em sua filha Bruna, que é minha afilhada. Célia Payão, que depois ainda foi morar comigo em São Paulo. Claudia Rubio, que tive a felicidade de reencontrar há pouco tempo e perceber que nunca deixamos de ter afinidades e seguimos um percurso parecido na vida.
     Para celebrar os novos amigos decidi fazer meu aniversário de 19 anos no tal apartamento minúsculo, além da comemoração posterior, com os amigos de Santos, que nunca deixaram de ser amigos. Meus pais foram, óbvio, levando doces, quitutes, a amiga Simone Raia e minha priminha Luaine, que sempre tive como uma irmã, de tanto que ficava em casa desde os 2 anos. Amo demais essa prima! O apartamento ficou lotado, tinha gente até na área de serviço. Também apresentei meu namorado da época, o Siquila, mas só como amigo, porque estávamos juntos há menos de um mês. A grande surpresa para a pequena Luaine, então com 9 anos, foi conhecer a Magali de Souza, a personagem das histórias em quadrinhos. Magali morava em Ribeirão e era amiga das meninas de Campinas, logo, minha amiga. "Como assim? Ela existe de verdade?" Sim, ela, a Mônica, o Cascão e o Cebolinha. Mais engraçado é que a Magali não saía do lado da mesa, nem a Simone, em todas as fotos está comendo ou pegando algo para comer. E minha mãe é especialista em preparar quitutes gostosos. Magali é mesmo uma comilona e não engorda, a danada! A Lu ficou encantada e tem várias fotos ao lado dela.
      Foi tudo perfeito! Mesmo os que beberam demais foram comportados, nem vomitaram, quem fumava ia para a sacada. Meus novos amigos foram totalmente aprovados por meus pais! Um bando de estudantes de Jornalismo e Publicidade, que falava pelos cotovelos, atropelando conversas e histórias.
      Penso que essa passagem, muitas vezes dolorosa, da adolescência para o mundo adulto, foi bem fácil para mim. Fui feliz e sabia o que queria quando muitos se sentem perdidos. Nunca tive problemas em conhecer gente, em enfrentar o novo, em mudar de cidade, casa, em manter os amigos. Talvez tudo tenha sido muito fácil para mim, por isso não consigo entender como suportar tudo que é tão difícil. Sei que há dores iguais ou piores do que a minha. Sei porque sofri muito as dores dos outros também. Mas não consigo encontrar uma saída. Não consigo.
     
http://youtu.be/nvaaX-pP4aI 
     

2 comentários:

  1. Adriana, eu gostaria tanto de conseguir agora escrever alguma coisa legal pra vc, para te fazer sentir melhor e mais otimista com a vida... nossa, como eu queria! Mas eu não consigo, realmente, não sei o que dizer. A verdade é que ando achando a vida bastante difícil e um tanto cruel nos últimos tempos. Eu sinto muito por td o que vc passou! Seu pai, essa injustiça com a sua filha... enfim. Vou dar uma lida nos seus posts antigos, para compreender melhor sua história, que me chamou muito a atenção.

    PS: também sou do interior de SP, nasci e morei em Sertãozinho por 18 anos, meus pais e minha avó materna moram lá até hoje e a família do meu pai mora em Ribeirão Preto!

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  2. Maíra, li também o seus textos, talvez escrever seja uma forma de diluir a dor com os leitores, não pra deixar todo mundo triste, mas para mostrar que todo mundo passa por momentos difíceis, alguns mais, outros menos... há pouco tempo uma amiga de vida perfeita ficou viúva, com 2 filhos adolescentes, aquela amiga que é linda, talentosa, generosa, ajuda todo mundo e encontrou o par perfeito, o amor da vida ainda jovem... o que dizer sobre isso? A diferença está em como cada um resisti à dor ou por quanto tempo, tem horas que não dá mais. Eu perdi meu pai para o Alzheimer, minha filha para a Justiça,muitos amigos para o câncer... só tento alertar as pessoas sobre isso, fiquem atentas aos sinais. Certas dores aparecem, como as doenças, mas uma briga judicial por guarda de filho pode ser evitada... bjs

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